Cumprindo aquela que foi a promessa mais emblemática da sua campanha eleitoral, Donald Trump assinou esta quarta-feira uma ordem executiva para construir um muro na fronteira sul dos Estados Unidos com o México.
Fê-lo a menos de uma semana da visita do presidente mexicano a Washington e justamente quando o ministro dos Negócios Estrangeiros do país vizinho está na capital americana a preparar a viagem de Henrique Peña Nieto.
Talvez por isso, Trump teve o cuidado de dizer que está muito empenhado em trabalhar com o seu homólogo mexicano no reforço da segurança nos dois países, citando como exemplos o combate aos traficantes de armas e de pessoas, aos cartéis de droga e aos gangues violentos que operam nos dois lados da fronteira.
Apresentou assim o muro como uma espécie de necessidade bilateral, ao garantir que a sua construção vai trazer maior segurança e estabilidade aos dois países, sugerindo que os EUA poderão ter um papel activo na repressão ao crime organizado no México. E esperam ainda que as autoridades mexicanas tomem medidas para suster o fluxo de emigrantes de outros países latino-americanos que atravessam o país para chegar aos EUA. É provável que na próxima semana Trump apresente ao seu homólogo propostas nestas duas áreas.
Nesta mesma lógica, Trump afirmou que a economia mexicana beneficiará da maior segurança prevista na fronteira e que uma economia mexicana sólida e próspera é muito importante para os EUA.
O irónico desta afirmação é que o presidente garantiu, no mesmo dia, que o México pagará pelo muro, provavelmente não a curto mas a longo prazo. Dado que Peña Nieto já assegurou mais do que uma vez que o seu país não contribuirá com um dólar para o muro, até por uma questão de “dignidade”, Trump admitiu que o orçamento americano financiará a construção, mas que o México acabará por reembolsar os cofres americanos “de uma forma ou outra”.
Trump estará a pensar em cortar a ajuda financeira ao México, mas também eventualmente numa fórmula para taxar as remessas dos emigrantes mexicanos que trabalham nos EUA.
Duas medidas que afectariam substancialmente a economia mexicana, que deverá ainda ser prejudicada pelas medidas proteccionistas com que Trump ameaçou os investidores que produzem no México e exportam para os EUA.
É, pois, num contexto de claro ataque à economia mexicana que Trump veio falar na necessidade de uma economia próspera e sólida do seu vizinho do sul. E proclamou ainda a sua convicção de que conseguirá “melhorar a relação entre as duas nações”, mas é duvidoso que Peña Nieto tenha a mesma opinião.
O muro, que Trump chegou a admitir que era uma promessa para “negociar” numa conversa com o “New York Times” já depois de eleito, custará cerca de 20 mil de milhões de dólares, mas isso não parece incomodar o presidente, que mandou avançar o projecto de imediato. A expectativa é que as obras comecem “dentro de meses” e fechem por completo os cerca de três mil quilómetros da fronteira, um terço dos quais já possui uma vedação.
Ao anunciar a obra, Trump anunciou também um reforço das patrulhas de fronteira, cuja guarda será aumentada em 5 mil efectivos, enquanto os funcionários dos serviços de imigração deverão triplicar. Isto dois dias depois de ter assinado uma ordem executiva que congelou quaisquer admissões na administração pública, com excepção das Forças Armadas.
Cidades santuário
Mas o muro é apenas a decisão mais simbólica e de maior impacto num pacote de medidas securitárias que o novo presidente quer adoptar e que se integram naquilo a que chama reforma do sistema de imigração do país, um dos mantras mais importantes da sua campanha.
Uma delas já foi assinada ontem e é a suspensão de fundos a cidades e/ou estados que não colaborem com as autoridades federais na repressão aos imigrantes ilegais.
Nas chamadas “cidades santuário”, os poderes locais recusam-se a perseguir os imigrantes ilegais que não infrinjam qualquer lei, mas a nova administração quer fazer raides a empresas e outros locais de trabalho para detectar imigrantes indocumentados e expulsá-los do país. Assim como pretende deportar de imediato qualquer imigrante que seja suspeito ou acusado de violar a lei mesmo sem o submeter a julgamento.
Nas mãos dos funcionários da imigração pode ficar a decisão de expulsar um imigrante desde que entenda que ele não cumpre plenamente as regras de estadia no país. Este serviço criará ainda uma repartição para apoio às vítimas de crimes cometidos por imigrantes ilegais. Ao anunciar estas medidas, Trump falou ontem de reforço do estado de direito…
Também a política de acolhimento a refugiados deverá ser alterada. Em estudo está a suspensão de admissão de refugiados sírios. A administração Obama tinha-se comprometido a acolher 10 mil refugiados da Síria, mas é provável que esse processo seja suspenso.
E não só em relação à Síria. Quaisquer pessoas provenientes de países como Irão, Iraque, Iémen, Somália e Líbia verão a sua entrada nos EUA muito dificultada ou mesmo impedida, o que surgirá como uma medida para banir quaisquer muçulmanos, que Trump chegou a defender durante a campanha eleitoral. O escrutínio de candidatos a imigrar para os EUA passará a ser altamente restritivo, fazendo com que a emissão de vistos se torne algo raro.
Tortura funciona
No âmbito das medidas securitárias, Trump admitiu ainda numa entrevista dada à televisão ABC que a “tortura funciona”, nomeadamente a simulação de afogamento aos suspeitos de terrorismo.
Recorde-se que esta prática foi adoptada na sequência do 11 de Setembro, quando a administração Bush negociou com vários países aliados a instalação de suspeitos de terrorismo nos seus territórios, onde, fora da jurisdição americana, a CIA praticou as eufemisticamente chamadas “técnicas reforçadas de interrogatório”, vulgo tortura.
Quando chegou à Casa Branca, o presidente Obama proibiu esta prática, mas agora Trump disse estar convencido que o ”waterboarding” é eficaz. Prometeu-o na campanha, mas depois de falar com o general James Mattis, nomeado secretário da Defesa, mudou de ideias. Mattis tinha-o convencido que uns cigarros e umas cervejas fazem mais pela obtenção de informação do que a tortura.
Nesta quarta-feira, Trump parece ter mudado de novo de ideias e confessou-se convicto de que a tortura é mesmo eficaz para obter confissões. Contudo, garantiu que se manterá fiel à lei e às convicções do seu secretário de Defesa e do seu director da CIA, Mike Pompeo, que disse no Senado que não imaginava o presidente a dar-lhe uma ordem para violar a lei.
É a primeira vez que Donald Trump admite abdicar de uma opinião sua em favor da de um subordinado. Mas atendendo à delicadeza do assunto, talvez se compreenda o recuo como tacticamente hábil.
John McCain, um dos senadores republicanos mais prestigiados, criticou logo as afirmações de Trump e aconselhou-o a esquecer o assunto. McCain esteve preso no Vietname e foi submetido a tortura, de que ainda tem sequelas físicas.