Cerca de metade das mulheres norte-americanas em idade reprodutiva, cerca de 36 milhões, poderão ficar sem possibilidade de interromper voluntariamente a gravidez se o Supremo Tribunal dos EUA revogar a decisão que legalizou a prática, indica um relatório esta sexta-feira.
O relatório da Planned Parenthood, a maior rede de clínicas de saúde sexual e reprodutiva dos Estados Unidos, foi lançado numa altura em que existe um debate nacional sobre a lei que entrou em vigor no Texas que proíbe praticamente todos os abortos nesse estado, sem exceções para casos de incesto ou estupro.
O Departamento de Justiça norte-americano processou o Texas para impedir a aplicação da lei e hoje foi realizada a primeira audiência sobre o caso, na qual o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, argumentou perante um juiz federal que o veto ao aborto no estado é "inconstitucional".
Nesse sentido, a administração norte-americana pediu ao juiz federal que bloqueie a lei sobre o aborto mais restritiva do país, que proíbe a maioria das interrupções voluntárias da gravidez no Texas desde o início de setembro e fez com que as mulheres tenham de ir a estados vizinhos para serem atendidas.
No final de uma audiência de quase três horas num tribunal de Austin, Texas, o juiz Robert Pitman, nomeado pelo ex-Presidente norte-americano Barack Obama, nada disse sobre quando tomará uma decisão sobre a lei, conhecida como 'Senate Bill 8'.
A lei proíbe o aborto desde o momento em que é possível detetar atividade cardíaca e não há exceções em casos de estupro ou incesto, incorporando ainda um prémio para quem denuncie a prática.
"Um estado não pode proibir o aborto às seis semanas. O Texas sabe disso, mas queria essa proibição de qualquer maneira. Nesse sentido, recorreu a um esquema sem precedentes de justiça vigilante que foi projetado para assustar os facilitadores de um aborto e outras pessoas que poderiam ajudar as mulheres a lutar pelos seus direitos constitucionais ", disse o advogado do Departamento de Justiça norte-americano, Brian Netter, ao tribunal.
Várias organizações, tal como a Planned Parenthood, estão preocupadas com a possibilidade de o Supremo Tribunal norte-americano decidir anular no próximo ano a decisão conhecida como "Roe versus Wade" que legalizou o aborto em todo o país em 1973.
O Supremo Tribunal abrirá essa possibilidade a 01 de dezembro, quando ouvir os argumentos sobre uma lei do Mississippi que proíbe o aborto naquele estado após 15 semanas de gestação. Nesse sentido, terá de tomar uma decisão sobre o caso antes de julho de 2022.
Se a decisão ligada ao "Roe versus Wade" for revogada, cada território dos Estados Unidos estará livre para proibir ou permitir o aborto a seu bel-prazer.
Espera-se que, nesse caso, mais da metade dos estados do país tomarão medidas para vetá-lo.
"Este é um momento existencial para a liberdade reprodutiva", disse hoje o presidente da Planned Parenthood, Alexis McGill Johnson, numa conferência de imprensa sobre o relatório, que indica que há 26 estados, na maioria conservadores, que sinalizaram a intenção de proibir o aborto se o Supremo Tribunal anular a decisão de 1973.
Nesses estados vivem 36 milhões de mulheres com idades entre 18 e 49 anos, segundo os dados oficiais do censo de 2019.
Os dados apenas fazem a distinção entre "homens" e "mulheres", não incluindo transexuais e bissexuais "que podem engravidar, o que significa que o impacto real é ainda maior", sublinhou McGill Johnson.
Das mais de 36 milhões de pessoas que seriam afetadas, pelo menos 5,7 milhões são hispânicas, 5,3 milhões negras e 1,1 milhões asiáticas, enquanto quase 340 mil são nativas americanas, indica o relatório.
Segundo dados do Instituto Guttmacher, uma instituição fundada em 1968 que trabalha para estudar, educar e promover a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, a maioria das mulheres que tenta interromper a gravidez voluntariamente a cada ano nos Estados Unidos é pobre e pertence a minorias raciais, sendo que, para muitas delas, não é uma opção mudar para outro estado para obter o acesso ao aborto.