O diretor da representação em Bruxelas da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Eugenio Ambrosi, condena um eventual endurecimento das políticas da União Europeia (UE) de acolhimento dos migrantes, como defendem a Itália ou a Áustria.
Em entrevista à Renascença, nas vésperas da eleição de um novo presidente para o organismo – corrida na qual está o português António Vitorino -, Ambrosi apela a uma ação concertada dos líderes europeus.
Qual é a situação atual no Mediterrâneo em termos de fluxos migratórios?
A primeira coisa importante a saber é que o número de chegadas pelo Mediterrâneo Central desceu consideravelmente nos últimos dois anos, o que significa que há muito menos pressão sobre a Europa em termos de chegadas. Isto levanta uma série de outras questões problemáticas na costa africana do Mediterrâneo relativamente às condições em que os migrantes são mantidos na Líbia. Mas em relação à pressão sobre a Europa há uma descida.
Ao mesmo tempo, continuamos confrontados com o problema de os Estados-membros da UE não serem capazes de encontrar um acordo sobre a revisão de Dublin [o sistema que regula o asilo na UE] e em relação ao nível de responsabilidade e solidariedade que deve existir entre eles. Há diferentes blocos de países com posições muito diferentes em confronto sobre a migração. Há aqueles que consideram que deve acabar completamente e os que consideram, como nós na OIM, que a migração pode ser uma força positiva.
Do ponto de vista dos fluxos migratórios a pressão decresceu, mas do ponto de vista político não está mais fácil.
A pressão nas chamadas rotas do Mediterrâneo Oriental e Central diminuiu. Mas recrudesceu na rota ocidental?
Sim, o aumento na rota ocidental começou desde o ano passado. Não estamos a falar de um total de chegadas que não seja possível gerir, mas houve um aumento considerável das chegadas no ano passado em Espanha e a tendência parece continuar este ano.
No Mediterrâneo Ocidental, tivemos nos últimos dois anos uma média de 30 mil chegadas/ano. Há um certo fluxo, não é um número grande, mas é constante. O essencial da questão é no Mediterrâneo Central e foi aí que se verificou a maior descida. Então, o que podemos dizer é que o aumento nos lados oriental e ocidental do Mediterrâneo não compensaram a descida na vertente central. Portanto, o número total de pessoas a chegaram à Europa pelas três rotas é consideravelmente menor do que em 2017 e 2016.
Na frente política, qual é a sua mensagem para os líderes europeus que estão reunidos esta quinta e sexta-feira?
A mensagem da OIM é a mesma já há vários anos. Estamos convencidos de que não há saída para a atual situação de certa dificuldade e confusão na gestão da migração se não forem feitas duas coisas.
A primeira é que deve existir um mecanismo de solidariedade que envolva todos os Estados-membros da UE. De formas ou níveis diferentes, em função da situação específica de cada país, mas cada um deve assumir a sua parte de responsabilidade. Não se pode deixar a situação só para os que estão na linha de frente. Isto é um aspeto. É impensável parar completamente a migração e manter toda a gente fora da Europa e não dar às pessoas a possibilidade de chegar à Europa ou eventualmente de receberem proteção se for o caso.
O outro aspeto está nos documentos de política da UE, que até agora não foi posto em prática. A melhor forma de combater a migração ilegal dos que vêm para a Europa à procura de melhores perspetivas, à procura de trabalho ou de uma forma de sustentar as famílias, é ter um mecanismo próprio, como existe noutras partes do mundo, de canais legais para os migrantes utilizarem sem terem de recorrer a traficantes.
Estes são os dois elementos-chave e esperamos que o Conselho possa começar seriamente a olhar para isto.
Antecipa-se que os líderes europeus vão concordar em criar centros de desembarque fora da UE. Parece-lhe uma boa solução?
Sempre tivemos muitas dúvidas sobre pontos de desembarque ou centros de processamento fora da Europa. Primeiro porque muitas regiões à volta da Europa, como em África, já acolhem um número considerável de migrantes e refugiados e já têm de gerir a sua própria parte. Depois porque é muito complicado pensar numa solução para a Europa que basicamente descarrega a responsabilidade de gerir estas pessoas noutros países, mesmo que a Europa ofereça dinheiro ou aceite recolocar algumas pessoas.
Penso que é importante a Europa manter-se fiel às obrigações legais consagradas na Convenção 51 [sobre o estatuto do refugiado] e, portanto, dispor do mecanismo para decidir se alguém que requer asilo tem condições para tal. Para isso, é preciso permitir a essa pessoa chegar à Europa. E depois, claro, tratar aqueles que não têm esse legítimo direito de acordo com a lei. Mas isto só pode acontecer quando se permite às pessoas que alcancem a Europa, examinar o seu requerimento e decidir se cumprem ou não os critérios.
O que é que significa para a Europa o endurecimento das políticas migratórias defendidas por países como a Itália ou a Áustria?
Penso que é perigoso, porque está no limite da violação de leis e princípios da União Europeia consagrados nos Tratados em termos de proteção dos refugiados e do asilo, do princípio de não repulsão e sobretudo a obrigação para os Estados-membros defenderem os direitos fundamentais e evitarem as violações destes direitos sempre que ocorrerem, incluindo fora do território da UE.
Percebo a necessidade e a pressão para encontrar soluções para uma situação que parece não estar amplamente sob controlo. Mas volto à minha resposta anterior: a solução não é assim tão complicada dado o número atual de chegadas se houver uma partilha de responsabilidade entre os 27. A solução é menos complicada do que parece, se houver vontade política para a encontrar. Isso é o que ainda não vimos.