O bispo D. Stepan Sus da Igreja greco-católica ucraniana conhece bem Portugal. Como responsável pela Pastoral das Migrações supervisiona a atividade religiosa da comunidade ucraniana de rito greco-católico em Portugal. No Verão passado visitou o nosso país, mantendo encontros nomeadamente com o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa D. José Ornelas, no quadro de uma visita pastoral às comunidades ucranianas em Portugal.
Nomeado bispo há dois anos com 38 anos - foi mesmo o mais novo de sempre a ser consagrado bispo na Igreja Ucraniana - é natural de Lviv e devido às suas funções está em permanente movimento entre dioceses locais e fora da Ucrânia .
Em entrevista à Renascença numa altura em que os greco-católicos assinalam a Páscoa, D. Stepan Sus sublinha a necessidade de evitar as marcas negativas que a guerra pode deixar na fé dos ucranianos.
Como é viver esta Páscoa em estado de guerra?
Em primeiro lugar, o contexto da guerra é sempre uma questão de vitória. Tentar parar esta agressão, este mal que quer destruir a paz, a vida humana, as famílias, tudo. Foi isto que aconteceu durante toda a guerra. Para nós, a Páscoa é a Ressurreição de Jesus, é a nossa fé. Todos nós, cristãos, acreditamos que Cristo ressuscitou e venceu a morte e as fraquezas do ser humano. Para nós, que defendemos a paz e o nosso país, é importante entender que a verdadeira vitória só é possível se nos defendermos com Deus. Quando colocamos Deus nos nossos corações e não permitimos que esta agressão toque as nossas almas. Às vezes acontece que a guerra acaba, mas ainda continua nos nossos corações. Isto é resultado da falta de entendimento sobre o que é a vitória ou a defesa.
Para nós, cristãos, é muito importante sobreviver a esta guerra, depois destas dificuldades e desafios, mantendo a fé no ser humano. Ou seja, como uma pessoa que passa por muitas dificuldades, mas tem também confiança profunda em Deus e está disposto a manter-se como ser humano, respeitando também a vida dos nossos inimigos.
O que responde a todos os que perguntam onde está Deus nesta guerra?
Essa é uma pergunta que sempre faremos. Mas penso que Deus está do lado da verdade, ao lado dos que sofrem, dos que ficaram feridos, com os que se tornaram refugiados e deslocados nesta guerra, que perderam alguém nesta guerra, com aqueles que estão sós, a pensar no futuro. Deus não criou o mal e não começou esta guerra. Deus criou-nos como seres humanos livres, dando possibilidade de escolha. Hoje em dia, sabemos que o mal e a guerra são escolhas do ser humano, de pessoas. Este homem que começou esta guerra fez uma escolha. Por vezes, Deus usa as nossas mãos para parar este mal, estas agressões. Não nos pode tirar a nossa liberdade humana, mas pode usar-nos para parar esta agressão, este mal e esta violência contra as pessoas aqui na Ucrânia.
Refere a necessidade de respeitar os inimigos. Mas, em tempo de guerra, como é que isso se faz na prática?
Em primeiro lugar, tentamos respeitar os que estão nas nossas prisões. Respeitamos aqueles que vieram aqui para nos matar. Este respeito significa que não podemos ‘fechar’ a nossa fé como seres humanos. Temos que a conservar como pessoas que querem manter a paz, parar esta agressão, que não querem fazer coisas más aos outros. Tentamos respeitá-los porque contamos que também respeitem as nossas pessoas, aquelas que eles prenderam durante a guerra e que levaram para as prisões russas e diferentes instituições militares. Ainda acreditamos que se fizermos isso, os nossos inimigos poderão também fazer isso à nossa gente. Acreditamos que eles assumem a sua responsabilidade ao abrigo da lei, da Convenção de Genebra e outras normas que nos obrigam a respeitar os inimigos durante a guerra.
A imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima está em Lviv. Considera que seria importante que a imagem pudesse chegar a Kiev?
Sim, pode acontecer. Seria excelente organizar uma peregrinação da imagem da Virgem de Fátima por toda a Ucrânia. Nestes lugares difíceis, temos ainda muitas igrejas que não foram destruídas pelos russos. Podemos organizar isso, é uma excelente ideia. Proporia também o envio de uma outra imagem peregrina para a Federação Russa para que façam o mesmo, porque todo o mundo precisa de rezar pela paz hoje em dia.
Supervisiona em termos pastorais a comunidade greco-católica ucraniana em Portugal. Qual é a sua perceção sobre a forma como os ucranianos vivem no nosso país?
Em Portugal, temos 20 ou mais comunidades espalhadas de Norte a Sul. Estamos muito felizes por tantos ucranianos terem migrado para Portugal e que os portugueses tenham dado oportunidades a tantos ucranianos para que se possam juntar e que rezem em conjunto. As igrejas são hoje também centros sociais ucranianos, onde as pessoas se juntam e veem onde podem ser úteis para a sociedade portuguesa, onde se podem integrar para responder às necessidades desse país. Podem não apenas assegurar a cultura e os valores ucranianos como podem também partilhar isso com os portugueses. Encontrei muitos portugueses que agradecem a presença dos ucranianos em Portugal, porque trouxeram algo novo ao país. As nossas comunidades tentam explicar a situação na Ucrânia, dando correta informação, explicando os nossos valores e intenções. Agradeço a muitas comunidades portuguesas, à Cáritas portuguesa e às paróquias pelo facto de terem juntado ajuda humanitária para a Ucrânia, por receberem pessoas que fugiram da Ucrânia, incluindo famílias com crianças, pessoas que perderam coisas e casas nesta guerra. Espero que Portugal seja uma nova casa, um novo lar para que eles se sintam novamente em casa. Portugal pode ser um verdadeiro lar para muitos ucranianos, com hospitalidade e atenção, com disponibilidade para ajudar e assim construir a fraternidade.
Hoje, quando muitos dizem que a Rússia e a Ucrânia são irmãos e irmãs, percebemos realmente que esses irmãos e irmãs são os que abrem as portas de casa à meia-noite para receber os migrantes. E esses não estão na Rússia.