2023 vai ser seguramente um ano cheio de desafios, desde logo no plano internacional. A perspetiva de uma paz para a Ucrânia continua longínqua, e todos sabemos que a condição essencial para que a paz seja possível é a retirada das forças invasoras da Federação Russa. É muito importante que a comunidade internacional continue a apoiar a Ucrânia, ao nível financeiro, económico, militar, político, diplomático e de apoio aos refugiados, nunca perdendo de vista que a solução duradoura para este conflito é de natureza política.
As consequências da guerra, que se fazem sentir em todo o mundo, vão certamente persistir ao longo de pelo menos parte de 2023; e nós devemos prosseguir, na Europa e em Portugal, as políticas que permitem contrariar os impactos negativos da guerra, mitigando os prejuízos para as populações, em particular para as famílias mais carenciadas. A luta contra a inflação é um objetivo político que nenhum Estado pode dispensar, mas é muito importante que essa luta se faça com inteligência, de modo a evitar que a economia europeia mergulhe numa recessão profunda.
No plano europeu, é também muito importante que continue o empenhamento na transição verde e a transição digital, e na valorização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Este triângulo parece-me ser incontornável. Se queremos ter sucesso na transição digital, reindustrializando a Europa e aproveitando plenamente as potencialidades da tecnologia para essa reindustrialização, e se queremos resultados efetivos na ação climática, descarbonizando as economias e garantindo que nos aproximamos dos objetivos do Acordo de Paris, então é absolutamente indispensável ter os cidadãos connosco. Para o que é imprescindível que as pessoas, em particular os trabalhadores, compreendam que no desenvolvimento digital e na transição climática estão também oportunidades de transformação da economia, de crescimento, de emprego e bem-estar. Para isso, é essencial a concretização dos objetivos e metas constantes da Declaração da Cimeira Social do Porto, realizada em 2021, durante a presidência portuguesa da União Europeia.
Na esfera parlamentar, 2023 será também um ano exigente. Teremos um novo Regimento da Assembleia da República, que, sabemos já, permitirá intensificar o debate e o escrutínio político. No início do ano, arrancarão os trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional; e poderemos verificar que conteúdo pode ter o indispensável acordo entre PS e PSD.
O Parlamento tem-se caraterizado por um grande dinamismo político e legislativo. Temos oito partidos representados, seis dos quais com grupos parlamentares, o que dá uma enorme diversidade de opiniões e uma confrontação democrática entre ideias e propostas, a qual está no âmago de uma democracia adulta e consolidada como é a portuguesa.
No plano legislativo, não têm também escasseado as propostas de lei apresentadas pelo Governo ou as assembleias das Regiões Autónomas e os projetos de lei apresentados pelos partidos políticos. Tenho procurado garantir que todos os proponentes vejam concretizado o direito a que as propostas sejam discutidas e apreciadas. Assim continuarei em 2023.
Um plano também muito enriquecedor para a dinâmica parlamentar é o do debate de iniciativas provenientes de grupos de cidadãos, assumam elas a forma de petições ou mesmo de projetos de lei. Em todos os agendamentos quinzenais temos incluído a apreciação de várias petições; e manteremos certamente essa boa prática no próximo ano.
Como presidente do Parlamento, continuarei a ser intransigente em dois pontos que me parecem essenciais: um é não admitir projetos ou propostas que violem manifestamente a Constituição; o outro, garantir que os debates se fazem com a vivacidade indispensável, o que às vezes implica até uma certa rudeza, mas sempre no respeito pelos direitos uns dos outros e com civilidade. E, enquanto primeiro deputado eleito por um círculo da emigração a ser investido das funções que ocupo, manterei a linha que abri em 2022, participando nas comemorações do dia 10 de junho junto de uma comunidade portuguesa no estrangeiro. Em 2022 fi-lo no Canadá, em 2023 fá-lo-ei num país europeu.
Em síntese, creio que todos nós, portugueses, europeus, cidadãos do mundo, devemos estar muito atentos e preocupados com os sinais de guerra e de crise que nos rodeiam. Mas devemos, sobretudo, empenharmo-nos em responder-lhes com ações que defendam a lei internacional, preservem a diplomacia, criem as condições para a paz e protejam as pessoas dos efeitos negativos sobre o emprego, o rendimento e o bem-estar. E tendo confiança em nós próprios. Se respondemos à terrível surpresa da pandemia da Covid-19, haveremos também de superar as dificuldades do tempo que agora vivemos.
Uma última palavra para assinalar que, em agosto de 2023, Lisboa será a sede da Jornada Mundial da Juventude. Sendo um momento único de encontro de muitas centenas de milhares de jovens, é também uma oportunidade de os ouvir sobre a paz, a cidadania, a solidariedade, a construção do futuro. O futuro deles, e, portanto, o nosso.
* Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República, escreveu para os leitores da Renascença uma antevisão do novo ano de 2023