Atualmente, há 8.176 famílias na capital que recebem RSI. Entre março de 2020 e abril de 2021, apareceram "mais de 800 novas famílias" numa situação financeira desesperada a quem foi atribuída esta ajuda, segundo dados do Instituto de Segurança Social (ISS) disponibilizados à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).
Em plena crise pandémica, assistiu-se "ao aparecimento de novos públicos", disse à Lusa Vera Serras, diretora da SCML, a entidade que acompanha a medida na capital.
Além dos casos identificados nas zonas mais pobres da cidade, começaram a surgir também pedidos de ajuda de quem vive em bairros habitualmente associados a classes sociais mais altas, como Alvalade, Avenidas Novas, São Domingos de Benfica ou Olivais, contou.
Os processos revelam histórias de desemprego, mas também apresentam casos de redes familiar de apoio que de repente falharam, explicou a diretora da Unidade de Desenvolvimento de Intervenção de Proximidade e interlocutora do RSI da SCML junto do ISS.
Vera Serras sublinhou que "nem todos são fruto da pandemia", mas reconheceu que a época tem agravado situações.
Com trabalhos precários e sem descontos para a Segurança Social, o confinamento atirou-os para o desemprego e deixou-os sem nada. O RSI foi "a única medida que lhes permitiu ter rendimentos para assegurar a sua subsistência", explicou a diretora.
Mas, quando os casos chegam ao conhecimento dos técnicos da Santa Casa, há muita gente já "em situação limite de sobre-endividamento".
Entre a crença de que vão conseguir resolver sozinhos a situação financeira e a vergonha de pedir ajuda, as famílias aparecem com vários meses de rendas em atraso ou outras contas por saldar, contou.
No entanto, para a diretora da SCML, estes não são os casos mais complicados. Quando o confinamento acabou, muitos conseguiram arranjar emprego e "deixaram de beneficiar da prestação".
"São pessoas motivadas, com vontade de regressar ao mercado de trabalho, a quem esta prestação serviu, essencialmente, como um trampolim. Foi um rendimento mínimo na altura em que mais precisavam", explicou.
Nos processos do RSI acompanhados pela SCML existem também histórias de doença mental. Nestes mesmos bairros mais organizados, há adultos que vivem com os pais, de quem dependem financeiramente.
A morte dos progenitores deixa-os sem nada. Para uns, pode ser "apenas" um problema de dinheiro, para outros vem somar-se a uma saúde mental já frágil, que se agrava nestas situações. Mais uma vez, sem descontos feitos para a Segurança Social, o RSI surge como solução.
Nestes casos de saúde mental, é a rede de proximidade quem lança o alerta. São os vizinhos que percebem que algo está errado. "Porque as pessoas deixam de fazer a sua higiene pessoal ou porque deixam de manter a casa limpa", explicou Vera Serras.
Mas também há alertas que chegam das juntas de freguesia, da polícia ou centro de saúde local. "Os centros sociais e paroquiais assim como as escolas e os centros de emprego também estão atentos e conseguem, muitas vezes, detetar precocemente quando surge um novo caso".
Mas existe o outro lado do RSI. De quem prolonga este apoio anos a fio. Vera Serra reconhece que existe uma franja da população dependente: "Há quem beneficie desta medida há muitos anos. Mas a esses beneficiários estão associados outros constrangimentos".
A maioria das 8.176 famílias atualmente apoiadas vive nos bairros mais pobres da cidade, situados nas freguesias de Santa Clara, Marvila e Penha de França.
O perfil tipo é facilmente traçado: abandonaram a escola antes do tempo, havendo mesmo quem não saiba ler nem escrever, e "muitos deles têm uma ausência de hábitos de trabalho".
Por estas razões, diz Vera Serras, "muitas famílias não reúnem condições para a inserção no mercado de trabalho".
Apesar de a atribuição do RSI implicar a celebração de um contrato em que quem recebe o apoio promete empenhar-se na procura de um emprego, a realidade é bem mais complicada.
Existem muitos casos em que viver dependente de subsídios é um hábito que vai passando de pais para filhos.
Apesar disso, Vera Serras mantém-se uma adepta da medida, defendendo que o valor mensal deveria ser aumentado.
Atualmente, o titular beneficiário da prestação recebe 189,66 euros e, depois, por cada adulto do agregado é atribuído mais 70% do valor e por cada criança mais 50%.
"Exige uma criatividade muito grande para poder subsistir", disse, explicando que há beneficiários que procuram alternativas para fazer face às necessidades: "temos vindo a assistir é a uma economia paralela, de pessoas que arranjam trabalhos com vínculos precários, para dar resposta às necessidades do dia-a-dia".
Vera Serras considera fundamental este apoio que surgiu há 25 anos com o nome de Rendimento Mínimo Garantido.
Atualmente, recebem esta prestação quase 218 mil pessoas, sendo o distrito de Lisboa o que concentra mais beneficiários no país, com quase 56 mil pessoas.