Por causa da pandemia, centenas de futuros pilotos de aviação estão há meses à espera de poderem fazer exames teóricos e avançar para a fase seguinte. A Direção-Geral da Saúde não permite ajuntamentos e a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) tem vindo a adiar as provas: a época de exames de março passou para maio, depois para julho e agora está mais uma vez adiada.
A ANAC diz que segue as diretivas da DGS. Os estudantes entendem os riscos, mas não percebem porque é que não se encontra uma alternativa e queixam-se também da falta de informação.
Carlos, que frequenta uma das escolas de aviação da zona de Lisboa, conta à Renascença que é desmotivante estar a estudar para exames que vão sendo adiados sucessivamente. Mas diz também que os contactos com a ANAC redundam em nada. A agência não responde aos emails e, mesmo por telefone, nunca há ninguém disponível para dar explicações.
A única informação que recebem é a indicação do cancelamento de época de exames na página oficial da ANAC, que se repete desde janeiro, a última época de exames que se concretizou.
Francisco, que estuda numa outra escola também da zona de Lisboa, tem quatro cadeiras para concluir. Assume ser muito frustrante estudar para exames que vão sendo cancelados em cima da época: “Diziam que mais tarde avisavam e era até cancelarem de novo, uma semana ou duas antes. Estou nesta situação desde janeiro, quando comecei a estudar para a época de março”.
Além da desmotivação, este impasse tem também outras implicações. “Enquanto estou à espera do exame tento ter trabalhos em part-time, mas é difícil mantê-los se de dois em dois meses nos dizem que há exames. Na minha turma tenho três ou quatro colegas que pediram empréstimo e há dois que estão a pensar desistir porque receiam não ter capacidade para manter o empréstimo quando a moratória caducar.”
Mas o adiamento sucessivo dos exames teóricos também está a afetar o funcionamento das escolas.
A Nortavia, na Maia, tem 80 alunos. Cristóvão Mendes, o diretor de instrução teórica, diz que “a desmotivação dos alunos é evidente. Quando se está a estudar para um determinado objetivo, que é fazer um exame, e há uma hipótese, por remota que seja de ele, não se realizar, é claro que o rendimento dos alunos não é igual”.
"Temos cursos a acabar e cursos a entrar"
Esta situação torna também mais difícil o funcionamento das escolas. “Temos cursos a acabar e cursos a entrar. As instalações são finitas, ou seja, quando acaba um curso entram alunos novos, ora se os alunos não acabam continuam aqui, à espera de fazer exame e, por isso, a atrasar os módulos de instrução teórica. Se não fosse a pandemia estes alunos todos – estamos falar em 80 alunos – acabariam agora em julho o que libertava as salas para os próximos alunos de setembro.”
Cristóvão Mendes também acha estranho que não seja possível encontrar uma solução alternativa para que os exames sejam realizados e lembra que no secundário, os alunos do 12º ano prestam provas e os alunos de Lisboa também vão a exame.
Esta é justamente uma das justificações avançadas pela ANAC para o adiamento dos exames. Contactada pela Renascença, a Agência Nacional de Aviação Civil diz que não há nada a fazer. Como os exames são feitos nos computadores instalados na sede da ANAC, em Lisboa, e o risco de juntar no mesmo local alunos de escolas de todo o país é muito grande, sobretudo, tendo em conta o atual quadro na região de Lisboa. A DGS não autoriza.
Este é um problema que vai continuar a avolumar-se à medida que o tempo passa: para serem pilotos os alunos têm de fazer 14 cadeiras em três anos, vão a exame quando estão preparados. Significa isto que se os alunos são os mesmos, mas o número de exames vai aumentado.
Pelas contas de Mário Santos, professor da OMNI, com sede em Cascais, estamos a falar de milhares de exames em atraso: “Se um aluno tiver cinco cadeiras de exame para fazer e multiplicarmos por 30 alunos de uma escola já são 150 exames, se multiplicarmos pelo número de escolas já são largas centenas. Não sei quais eram os exames que estavam previstos para a época março - que foi a primeira a ser cancelada por causa da pandemia – mas de acordo com o último contato que tive com a ANAC, para a época de janeiro o numero de exames rondava os dois mil a dois mil e quatrocentos”.
A Autoridade Nacional de Aviação Civil não sabe quantos exames estão em falta - no ano passado foram 700 os alunos que prestaram provas - mas sublinha que ninguém é prejudicado até porque foram estão suspensos os prazos que os candidatos a pilotos têm para fazer o curso e concluir os exames.
A Renascença pediu explicações à DGS, mas até agora não tivemos resposta.