O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, acusou esta quinta-feira o secretário-geral da ONU, António Guterres, de não assumir uma posição neutral no conflito na Ucrânia, como deve fazer um líder de uma organização internacional.
"Lamento muito que o secretário-geral da ONU tenha subscrito as exigências unilaterais ucranianas, apesar de, segundo os estatutos da ONU (...) ter de assumir uma posição neutral", disse o chefe da diplomacia russa numa conferência de imprensa conjunta com o homólogo da Arábia Saudita, o príncipe Faisal bin Farhan al Saud.
As palavras de Lavrov foram proferidas um dia depois de Guterres ter visitado Kiev, a terceira deslocação desde o início do conflito, em que o secretário-geral das Nações Unidas defendeu a extensão do pacto para a exportação de cereais e a desmilitarização da central nuclear de Zaporijia, bem como a procura de uma "paz justa".
Sobre a prorrogação do acordo de cereais, que expira em 18 de março, Lavrov realçou que o pacto "tem duas partes", a relativa aos cereais e sementes ucranianas e a outra ligada à exportação de sementes e fertilizantes russos.
"Só dá para prorrogar o que já está cumprido, mas se o pacote for cumprido pela metade, a questão da prorrogação fica bastante complexa", afirmou.
Para o chefe da diplomacia russa, a primeira parte do acordo está cumprida.
"Nós, Rússia, cumprimos todos os nossos compromissos a esse respeito com os nossos colegas turcos. A segunda parte não foi cumprida de forma alguma", acusou.
Lavrov questionou se Guterres, "por algum motivo", vinculou a extensão do acordo de cereais à necessidade de "desmilitarizar a central nuclear de Zaporijia".
"Ninguém, com exceção da própria Ucrânia, falou em desmilitarização. O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica [AIEA] tem vindo a promover há vários meses um acordo para declarar a região como uma zona de segurança nuclear de Zaporijia", explicou.
Segundo Lavrov, a Rússia "tem colaborado ativamente" com a AIEA a esse respeito, de tal forma que as duas partes estavam prestes a chegar a um acordo.
"Estávamos prestes a chegar a um acordo, estávamos prontos para apoiá-lo, mas foi bloqueado por Kiev", afirmou.
Para o chefe da diplomacia russa, por um lado, a ONU "está ativa na questão da desmilitarização da central nuclear de Zaporijia", enquanto, por outro, "ignora os pedidos russos para se dar início a uma investigação sobre a sabotagem dos gasodutos Nord Stream".
"O secretário-geral [das Nações Unidas] e os funcionários da ONU evitam por todos os meios responder aos nossos pedidos, que são devidamente justificados", frisou.
Lavrov agradeceu ao homólogo saudita o apoio da Arábia Saudita e de outros países árabes nos processos de troca de prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia.
"A Arábia Saudita está sinceramente interessada em encontrar soluções aceitáveis para todas as partes. Valorizamos muito isso, considerando-a uma soma útil aos esforços que a Rússia apoiaria antes de iniciar um diálogo sério" com a Ucrânia, disse Lavrov.
O chefe da diplomacia russa declarou que o lado ucraniano "não tem vontade de iniciar negociações sérias", citando o decreto assinado pelo Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, que proíbe qualquer tipo de diálogo com Moscovo, e as declarações ocidentais sobre a necessidade de vencer a Rússia no campo de batalha.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou até agora a fuga de mais de 14,6 milhões de pessoas -- 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 8,1 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Neste momento, pelo menos 18 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões necessitam de ajuda alimentar e alojamento.
A invasão, justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia, foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para Kiev e com a imposição de sanções políticas e económicas a Moscovo.
A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 8.173 civis mortos e 13.620 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.