Advogado portuense, de 43 anos, Tiago Mayan Gonçalves já foi militante do PSD. É um dos fundadores da Iniciativa Liberal (IL) e diz que não é antissistema, mas fora do sistema.
Em entrevista ao programa “Hora da Verdade”, da Renascença e jornal “Público”, o candidato presidencial critica a atitude de “submissão” de Marcelo Rebelo de Sousa em relação a António Costa. E promete ser “uma voz de alerta” contra os abusos de poder.
O que pode distinguir um chefe de Estado liberal?
Será alguém que tem sempre presente uma coisa que não tem sido muito óbvia nos tempos mais recentes: o soberano é o cidadão. Esta visão tem falhado muitas vezes, porque temos visto continuamente uma posição cada vez mais autoritária de quem se considera o dono do aparelho de Estado e que se arroga o direito de impor, controlar, subjugar os cidadãos.
Temos visto cada vez mais essa deriva no contexto da pandemia, um discurso de medo e de temor com uma tendência clara de associar a isso uma deriva autoritária e estatista que é muito perigosa. Por isso, um Presidente liberal servirá de contrabalanço.
António Costa já disse que não gosta de ser autoritário...
Disse que não gosta de ser autoritário, exceto se as pessoas não fizerem o que ele diz, o que é uma confirmação evidente de que ele gosta de ser autoritário. Temos assistido a um processo de muitas más respostas deste Governo à pandemia. Já passaram muitos meses em que o Governo podia ter tomado um conjunto variadíssimo de opções que não tomou, como incluir na resposta aos problemas de saúde dos cidadãos o setor social e privado da saúde.
Só agora, a más horas e por desespero, a ministra Marta Temido decidiu recorrer a privados para dar resposta a problemas de saúde dos cidadãos. Saúde não é só Covid. Temos assistido a uma inversão do ónus da responsabilidade. O Governo, porque não soube atuar a tempo, está a construir uma narrativa de culpabilização dos cidadãos. Temos assistido a isso com esta questão das máscaras, da app, das chamadas festas ilegais.
No fundo, o Governo sacode a água do capote e transfere as responsabilidades para os cidadãos. Associando isto a um discurso de medo, temos o caminho para a deriva autoritária. Alguém tem que ser uma voz que defenda os cidadãos e as suas liberdades e garantias neste momento. O que vejo é que ninguém está a ser essa voz. No contexto das candidaturas presidenciais, não vejo mais ninguém a ser essa voz e eu vou sê-la.
Como? Que ações pode ter para ser essa voz?
Desde logo, ser uma voz de alerta. Por exemplo, esta proibição de circulação entre concelhos que vai acontecer este fim de semana é tão patentemente inconstitucional que até fico perplexo por ver que o atual Presidente, que é um constitucionalista, não o diga de viva voz e não tenha já remetido para o Tribunal Constitucional esta resolução do Conselho de Ministros. Uma pessoa olha para isto e fica perplexa e siderada com o que se passa no sistema político e nos protagonistas deste sistema político.
Em relação a esta limitação de circulação de concelhos, o que devem os cidadãos fazer? Não respeitar essa proibição?
Não quero fazer uma apologia do desrespeitar por desrespeitar. Mas é patentemente inconstitucional proibir a liberdade de circulação dos cidadãos. O que está em causa não são motivos específicos de saúde pública, mas uma proibição genérica em todo o território nacional.
Eu tenho andado com carro alugado e no sábado tenho que me dirigir a outro concelho para o entregar. Por que é que um cidadão não pode fazer isto? Por que é que um pai, sendo casal separado, não pode ir buscar o seu filho este fim de semana à casa da mãe? Por que é que alguém que vai casar este fim de semana, e que terá uma festa que cumpre todas as regras sanitárias, não pode ter todos os seus convidados?
Eu, enquanto Presidente da República, sei o que faria: remessa imediata desta resolução para o Tribunal Constitucional. Enquanto cidadão e enquanto advogado, estarei pronto a defender qualquer cidadão que veja coagida a sua liberdade de circulação este fim de semana. Esta proibição genérica é absolutamente ilegal e é um sinal de que o Governo não se sente limitado no que acha que pode fazer. Não se sente limitado pela Constituição e isto é uma deriva que não pode ser aceite.
E acha que há aí uma ausência por parte do chefe de Estado?
Uma ausência total.
Ausência ou conivência?
Acaba por ser um silêncio conivente. Marcelo Rebelo de Sousa não pode alegar desconhecimento da Constituição. Ele é um dos grandes constitucionalistas do país. Não é por desconhecimento ou distração. Desde o início do seu mandato, tem tido uma atitude de colaboração e de submissão ao Governo. Penso que o faz por uma razão tática e narcisística de querer ser reeleito.
Marcelo abdicou de ser Presidente para ser um candidato à Presidência da República e o seu sonho era ser o candidato reeleito com mais votos. Esse sonho já o perdeu, por causa do contexto da pandemia, mas o de voltar a ser reeleito não.
Desse ponto de vista, seria melhor termos um mandato presidencial único?
O problema não reside na possibilidade de haver um segundo mandato, mas na opção que cada um toma para o exercício do seu mandato e a opção tomada foi a de submeter-se ao Governo, criando a oportunidade de ter o apoio tácito e expresso do partido do Governo para a sua reeleição.
Voltando às questões de saúde pública: em nome da defesa da saúde pública, admite algum tipo de diminuição provisória de liberdades? Qual?
Em termos teóricos, é possível. Está previsto na Constituição a forma de o fazer. Chama-se estado de emergência. Se há um contexto de grave crise de saúde pública que justifica um estado de emergência, a Constituição prevê a forma de o fazer, as medidas, quem o deve fazer, o tempo que demora.
O Governo quer aplicar medidas de estado de emergência, mas não quer dizer aos cidadãos que está em estado de emergência. O Governo está já a iniciar um processo de implementação tática de estado de emergência no país, mas não o faz em termos formais e jurídicos. O chefe de Estado devia estar aqui a atuar, porque quem decreta estado de emergência em Portugal tem que ser o Presidente da República. Ele tem que ser um ator e ter uma palavra a dizer sobre o que está a acontecer neste momento.
Quando anunciou a candidatura, disse que era “candidato contra a dependência, contra o marasmo, as teias de interesses e clientelismo, as portas giratórias, o controlo pelo Governo do aparelho de Estado, da economia e dos media”. Marcelo faz parte dessas teias?
Faz, evidentemente, tanto por ação como por omissão. Ele faz parte do sistema há décadas. O que temos visto é uma abordagem estatizante e socializante da sociedade e da economia, que é transversal a praticamente todos os governos que foram surgindo e a todos os protagonistas e Marcelo é um deles.
E está refletida por exemplo neste Orçamento do Estado que está a ser discutido em que o apoio às empresas representa metade do aumento da função pública. Esta visão está a ser cada vez mais evidente e reflete-se também em tentativas de controlo da economia e dos media. O grande drama nesta questão é quando não há nenhum controlo, nenhuma instituição, nenhum órgão de soberania que cumpra o seu papel de controlo. Quando o Presidente não cumpre a sua função, então o Governo faz tudo o que quer.
Imagine que é eleito em janeiro, o que faria? Dissolveria o Parlamento? Acredita neste Governo? Ou exigiria um acordo formal a António Costa?
O que um Presidente da República tem que perceber é se o Governo tem ou não condições de governabilidade.
E este tem?
Nunca será a minha visão ideológica a determinar se um Governo fica ou não fica. Isso quem determina é o eleitorado. Um Governo tem que ter condições de governabilidade e isso é analisado caso a caso. Não posso responder-lhe agora. Seria futurologia. Mas um Governo tem que fazer uma coisa: governar. Não pode estar a meter as mãos noutras tarefas e Marcelo Rebelo de Sousa permitiu constantemente como as interferências na capacidade de escrutínio da Assembleia da República com o fim dos debates quinzenais, interferências em entidades de supervisão e fiscalização como o Banco de Portugal, Tribunal de Contas, a Procuradoria Geral da República. Um Presidente tem de garantir que o Governo não está a meter a mão onde não deve.
“Liberalizar o mercado laboral” é um dos compromissos do programa eleitoral da IL em 2019. Neste momento de crise, que formas de liberalizar o mercado laboral defende e para quê?
O que estamos a ver no mercado de trabalho é uma realidade de desemprego, o real e o escondido sob a forma de “lay-off”. As leis laborais atuais são supostamente restritas e não impediram o desemprego real e escondido. Portanto, o argumento contrário de que uma liberalização terá outro resultado terá que ser demonstrada.
Na noite eleitoral de domingo, em que a IL conseguiu eleger um deputado nos Açores, o líder do partido disse que o resultado era um bom prenúncio para próximos atos eleitorais. Sentiu que era um bom prenúncio para si?
Espero que sim. Demonstrou que, por mais tomado e controlado que esteja o aparelho do Estado - estamos a assistir a um controle cada vez maior por parte dos partidos incumbentes e de poder de toda a máquina e aparelho do Estado, aqui no continente, mas também nas ilhas -, o eleitorado percebe que pode haver alternativas e vota nelas. Estou a candidatar-me também para ser uma alternativa a toda esta visão estatizante, tal como a IL dos Açores fez e propôs.
Nos Açores, parece estar em marcha uma solução de governo à direita. Como é que a IL conta participar nessa retirada de poder aos socialistas?
Isso não me cabe a mim dizer. Tenho pleno respeito pela autonomia da IL Açores. Mas não há só duas geometrias possíveis nos Açores. Pode haver várias.
Negociar a IL com o PS?
Acharia muito estranho que o fizessem.
Não o incomodará se a IL entrar num acordo que inclua o Chega, quer seja nos Açores ou noutro plano?
Em termos gerais, eu sei o que a IL representa, uma visão clara de alternativa liberal, e qualquer partido que represente uma visão contrária a esta não é um parceiro para a IL.
Foi militante do PSD, mas desistiu. Porque é que escolheu o PSD e o que o fez sair?
O que me fez entrar foi o Governo de Sócrates. Sabendo que só por via de partidos políticos pode haver efetiva ação política completa, decidi militar no PSD, mas devo ter ido a duas ou três reuniões e rapidamente me dei conta de que não tinha interesse naquilo. O PSD é um partido do sistema. Fala-se muito no sistema...
O Chega fala muito.
O Chega fala em ser antissistema, mas eu não sou antissistema, sou fora do sistema.
Disse ter vários apoiantes do CDS. E do PSD?
Sim, já fui tendo alguns apoios fora do espectro da IL como um antigo presidente da JP e ex-deputado do CDS, Michel Seufert, e outros.
A IL pode em breve ocupar o lugar do CDS?
Isso cabe aos eleitores determinar isso. A IL não está aqui para ocupar espaços de A, B ou C.