O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) admite a necessidade de realizar uma consulta junto da classe para uma eventual alteração ao código deontológico, caso seja despenalizada a eutanásia.
"Não é possível alterar o Código Deontológico numa questão tão fracturante sem ouvir os médicos", afirmou José Manuel Silva à agência Lusa.
O dirigente da OM considera importante ouvir a classe, mas defende que, antes disso, é necessário alargar o debate da questão.
A Ordem está a organizar um ciclo de reflexões sobre a questão. A primeira ocorreu, esta quarta-feira, com o tema “Fim de vida: poder decidir”.
Caso haja necessidade de adequar o Código Deontológico a uma alteração legislativa que permita a morte assistida a pedido, o passo necessário será a realização de um referendo, admitiu.
No debate sobre eutanásia, o oncologista Jorge Espírito Santo foi um dos que defendeu que o tema tem de ser debatido internamento pelos médicos, que estão formatados para salvar vidas e ajudar a morrer com dignidade.
Precisam-se bons cuidados paliativos
O especialista defendeu que os cuidados paliativos "não servem a toda a gente", considerando que a eutanásia deve ser uma escolha individual permitida. "A grande maioria dos problemas é resolvida com bons cuidados paliativos. Mas há pessoas que não aceitam em consciência as limitações e colocam a questão da morte aos seus médicos assistentes. São casos e situações excepcionais mas existem", declarou.
Também o neurologista e médico intensivista Pedro Ponce sublinhou que os cuidados paliativos "nem sempre têm sucesso absoluto", lembrando ainda que os paliativos de qualidade não chegam à maior parte da população portuguesa, não sendo expectável que isso aconteça nos próximos anos.
O médico citou dados do Estado norte-americano de Oregon, que demonstram que, com cuidados paliativos de excepção, 46 % dos candidatos a suicídio assistido vieram a desistir dessa opção, havendo uma fatia considerável que manteve a intenção de pôr fim à vida.
"Mesmo sendo de grande sucesso, [os cuidados paliativos] não são realmente a resposta para todos", argumentou.
Uma linha vermelha
Em contraponto, a médica de cuidados paliativos e deputada do CDS-PP, Isabel Galriça Neto, sublinhou que os cuidados paliativos intervêm directamente no sofrimento "não deixando que ele se torne insuportável".
Para esta especialista, a eutanásia ou suicídio assistido é uma intervenção que "termina com a vida e não com o sofrimento".
"Para mim, é uma linha vermelha. Como médica, acho que a sociedade espera que ajude a viver e a morrer com o máximo de dignidade mas não quero ajudar a matar", declarou.
O debate na Ordem dos Médicos foi promovido depois de o tema da eutanásia estar no centro da discussão em alguns sectores da sociedade, após a divulgação de um manifesto assinado por mais de 100 personalidades que defendem a despenalização da morte assistida.