De norte a sul do país há universitários africanos a viverem momentos difíceis devido à Covid-19. Falta dinheiro para bens essenciais como alimentos, saúde ou alojamento. Em marcha está já uma “Rede Solidária de Estudantes Africanos em Portugal” que conta com a parceria da Cáritas Diocesana de Bragança-Miranda.
A ideia partiu do estudante de mestrado em gestão de organizações no Instituto Politécnico de Bragança (IPB), Braima Dabó.
“Temos vários alunos em dificuldades, precisam de ajuda a nível de alimentação, residência, produtos de higiene, pagamentos em atraso, propinas em atraso”, conta à Renascença.
O estudante refere que a iniciativa solidária começou com “alunos guineenses, a nível nacional”, depois de perceberem que “existem muitos alunos que precisam de ajuda”.
“Logo, os amigos e professores de alguns alunos disseram-me que esta iniciativa poderia ser alargada a todos os alunos africanos, a nível nacional”, conta Braima, explicando que assim fizeram e passaram “a contar com o apoio da Cáritas, do IPB e da ONGD Na Rota dos Povos”.
De acordo com Braima Dabó, “alguns alunos da Guiné Bissau têm os pais lá e suportam os cursos deles cá, mas esta pandemia acabou por dificultar estes pais que não conseguem enviar dinheiro para os filhos, porque também o não têm”.
“Neste momento, o estado de emergência ainda está a decorrer naquele país, não estão a trabalhar. No meu caso, também para os meus pais se tornou mais difícil. E esta dificuldade também se enquadra ao nível da África”, acrescenta.
Também para os estudantes que já se encontravam “a trabalhar por conta própria e a sustentar o estudo deles, esta pandemia levou-os a terem maior dificuldade, por terem deixado de trabalhar ou por terem passado a receber um rendimento mais baixo”, assinala o estudante guineense.
Braima Dabó ficou celebrizado pelo seu fair play, quando nos mundiais de atletismo ajudou um outro corredor a terminar a prova, o que lhe valeu uma distinção da Federação Internacional de Atletismo. Agora empresta o nome a esta campanha de angariação de fundos para colegas carenciados.
“Quando podemos fazer algo, temos que ajudar os próximos. E não é mais do que aquilo que eu estou a fazer. Consegui apenas juntar as associações e tivemos a iniciativa de arranjar ajuda para partilhar com uns e outros. Estar sozinho numa batalha, vai tornar-se muito mais difícil do que estar num grupo a enfrentar essa batalha”, considera o universitário.
“É uma necessidade urgente. Temos que atuar”
Para mitigar os efeitos da pandemia foi criada uma conta bancária que recolhe os donativos e que está a ser gerida pela Cáritas da Diocese de Bragança-Miranda.
O vice-presidente da instituição, Emanuel Lameiras, explica à Renascença que o “projeto encaixa no campo de atuação” da instituição, “ou seja, na Doutrina Social da Igreja, como promoção da caridade cristã, da cultura, educação e a integração comunitária e social de todos os habitantes da comunidade onde está inserida, especialmente dos mais vulneráveis”.
Segundo Emanuel Lameiras, “todos os anos vários jovens africanos deixam os seus países, familiares e amigos para virem estudar para Portugal, com o objetivo de obter uma formação necessária e fundamental para construírem um futuro melhor, acabando por se deparar com uma série de entraves que põem em causa os seus rendimentos nos estudos e, este ano, a dificuldade é maior devido à pandemia Covid-19”.
“Muitos destes jovens que estudam nos politécnicos e nas universidades de norte a sul do país, estão a passar por momentos difíceis a todos os níveis, desde alimentação, alojamento (rendas), saúde, e até nos processos de autorização de residência”, indica.
De acordo com o responsável, grande parte destes estudantes encontrava-se a trabalhar na restauração e em fábricas e outros preparavam-se para trabalhar na época balnear e ficaram sem qualquer rendimento nem perspetivas em termos de futuro.
É neste contexto que surge a campanha solidária, cabendo à Cáritas, instituição social da Igreja de Bragança, a gestão das ações de recolha de fundos e garantir que serão destinados aos fins associados.
“Vamos ser como que o garante de que tudo o que chega é repartido mediante as necessidades”, explica Emanuel Lameiras.
“Ajudar estes jovens a manter a sua integridade, a sua dignidade humana”
“No campo alimentar e nos bens de primeira necessidade, o IPB criou uma rede apoio e nós, Cáritas, também”, afirma o vice-presidente da Cáritas, realçando que “o grande problema é obter fundos para o pagamento das rendas, porque é aí que está o cerne da questão”.
“Se eles não têm rendimentos e os familiares já tinham poucos, com esta situação da pandemia piorou. Eles não conseguem cá, internamente, recorrer a apoios da segurança social e não podem obter rendimentos com a sua força braçal, porque está tudo parado”, observa.
Para além da angariação de fundos, através da conta da Cáritas PT50 0010 0000 5845 0610 002 8, os estudantes estão também a programar a realização de um concerto.
“É uma necessidade urgente. Temos que atuar”, defende Emanuel Lameiras, assinalando que esta realidade vem desinstalar do nosso eu, para passarmos a viver na dimensão do nós, ou seja, de doarmos a nossa vida em prol destas causas nobres que têm como assento a dignidade humana”.
“Ajudar estes jovens a manter a sua integridade, a sua dignidade humana, suprimindo as necessidades básicas, como são a alimentação e o alojamento, é uma missão nobre”, assinala o responsável da Cáritas Diocesana de Bragança-Miranda, considerando que o projeto solidário se enquadra “perfeitamente na missão da instituição” na medida em que assenta em virtudes como a caridade que é o dom generoso de nos darmos a nós mesmos, na virtude da fé de cuidarmos uns dos outros e uns com os outros, e na esperança de que só em sinergia é que construímos o caminho”.