Costa confia mais no PCP do que no Bloco e outras conclusões da campanha que agora finda
04-10-2019 - 17:32
 • Francisco Assis*

Rio parece ter salvo o PSD de uma hecatombe eleitoral. O CDS enfrenta um problema estrutural. E Santana Lopes foi, nestas eleições, um exemplo de rara dignidade política.

A campanha eleitoral que agora finda ficou indelevelmente marcada pela morte de um dos pais fundadores da democracia portuguesa, o professor Diogo Freitas do Amaral.

No início deste texto, que tem por objecto a apreciação dessa mesma campanha eleitoral, quero homenagear a memória de um homem superior que contribuiu de um modo importantíssimo para a consolidação do regime democrático em que vivemos. Fê-lo correndo riscos diversos, suscitando incompreensões, expondo-se a críticas deveras injustas. Freitas do Amaral agiu sempre em fidelidade à doutrina a que aderiu muito cedo: a doutrina da democracia cristã. Não sei se no presente momento temos plena consciência do que lhe devemos. Espero que a História o consagre como um dos maiores portugueses do seu tempo. Tenho a convicção de que assim sucederá.

Detenhamo-nos, então, um pouco na apreciação da campanha eleitoral. Começou morna, permitiu debates civilizados, a dado passo ameaçou resvalar para uma confrontação insultuosa, está prestes a acabar num ambiente um pouco mais descontraído. Foi, apesar de tudo, uma campanha razoavelmente esclarecedora.

A primeira grande ilação a retirar é a de que subsistem profundas divergências entre o PS e os partidos a que circunstancialmente se ligou na legislatura passada.

António Costa não escondeu, antes até salientou, uma antipatia quase natural pelo Bloco de Esquerda. Foi tão longe, aliás, na demonstração desse desafecto que levou Catarina Martins a relembrar-lhe as circunstâncias quase clandestinas em que se forjou a famigerada “geringonça“. Com o PCP, António Costa recorreu sempre a um outro tom, que nalguns momentos até foi declaradamente amistoso. É óbvio que o líder do PS confia mais no PCP do que no Bloco de Esquerda, embora os bloquistas estejam ideologicamente mais próximos dos socialistas. Ou talvez até por isso.

Uma segunda conclusão a retirar da campanha é que Rui Rio é muito mais sólido do que aquilo que os seus detractores internos apregoavam. Rio revelou-se forte nos debates, muito distendido no contacto com o eleitorado e hábil no aproveitamento político de um caso polémico. Por mérito próprio parece ter salvo o PSD de uma hecatombe eleitoral.

Uma terceira inferência é de que há um problema estrutural com o CDS. Confesso que não encontro explicação para o que as sondagens indiciam. Assunção Cristas é inteligente, discursa com clareza e integra-se facilmente num ambiente de campanha.

A quarta constatação prende-se com a surpreendente popularidade do PAN. O fenómeno é europeu, senão mesmo ocidental. O acrisolado amor pelos animais é uma das marcas dos tempos que correm e justifica uma reflexão fora do contexto de uma campanha eleitoral. Do PAN sabe-se muito pouco, o que não impede a adesão ao mesmo de uma parte significativa da nossa juventude.

Por último, não posso deixar de fazer uma referência a Pedro Santana Lopes. Pense-se o que se pensar dele, uma coisa é certa: é um grande democrata. Ver um homem que já foi presidente da Câmara de Lisboa e primeiro-ministro a discutir de igual para igual com os quase anónimos líderes dos pequenos partidos num debate na televisão pública é algo que nos reconcilia com a essência da democracia. Santana Lopes foi, nestas eleições, um exemplo de rara dignidade política.

Prestes a encerrar a campanha, resta-nos esperar pelos resultados eleitorais. Até daqui a uns dias.

*o autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico