A visita do primeiro-ministro António Costa a Angola arrancou esta segunda-feira de manhã. A viagem vai durar dois dias e está já a ser marcada pelo acordo entre Portugal e Angola em evitar a dupla tributação às empresas dos dois países.
O “marco histórico”, como lhe chama o Governo português, é o prato forte no reforço das relações entre os governos. Com o primeiro-ministro viajou também o secretário de Estado da Internacionalização, que espera “um bom momento nas relações político-diplomáticas entre Portugal e Angola”. O secretário de Estado considerou o acordo que evita a dupla tributação como “um elemento muito importante”, especialmente para as pequenas e médias empresas que transacionam de um país para o outro e que, assim, não têm de pagar duas vezes pelo mesmo rendimento.
Em entrevista à jornalista Eunice Lourenço, em Luanda, Eurico Brilhante Dias reforçou a expectativa que já se tinha na partida para a primeira viagem de um primeiro-ministro português a Angola desde 2011. O Governo angolano quer diversificar os seus investimentos, mudando da habitual dependência do petróleo para a agricultura, algo que merece elogios do secretário de estado, já que ajuda Portugal a diversificar também o seu próprio investimento.
Quais são as suas expectativas para esta viagem?
Mais um bom momento nas relações político-diplomáticas entre Portugal e Angola e, em particular, na área da internacionalização da economia. Mais um momento em que as empresas portuguesas encontram os seus parceiros angolanos e elas, que têm escolhido, desde há muito, o mercado angolano como o mercado preferencial para as exportações portuguesas, mas também para o investimento português no estrangeiro, que encontrem um momento de reforço nessa ambição de investir e de exportar para o mercado angolano.
Uma das coisas que é considerado um marco histórico nesta visita será a questão do acordo para evitar a dupla tributação. Em que é que isso pode ajudar as empresas?
A convenção para evitar a dupla tributação é um instrumento muito importante porque permitirá a portugueses e angolanos, que tenham rendimentos nos dois mercados, não serem tributados duas vezes pelo mesmo rendimento. Esse é um elemento muito importante. Recordo que há 20 anos, aproximadamente, que discutem este tema. Nós temos no consulado de Portugal aqui em Luanda quase cem mil registos e sabemos que muitos portugueses estão em Angola, ainda assim, sem registo. E se considerarmos já os quase 20 mil angolanos que residem em Portugal, para essa gente que está nos dois, com nacionalidade portuguesa em Angola e com nacionalidade angolana em Portugal, é muito importante.
E depois para as empresas, que investem nos dois mercados. Nós temos investimento angolano muito relevante no nosso país, temos investimento português aqui em Luanda, nós temos 1200 empresas de capital português em Angola e essas empresas poderão, mais uma vez, não ver os seus rendimentos tributados duplamente. Penso que é talvez dos passos mais decisivos no aprofundamento das trocas, não de natureza puramente comercial, mas da troca de investimento entre os dois países.
Outra questão que diz respeito às empresas é a resolução das dívidas de entidades angolanas e, embora o Estado não esteja diretamente envolvido, também espera que desta visita saía algum tipo de entendimento?
Nós estamos a falar de dívidas de entidades públicas angolanas, do Estado e doutras entidades públicas angolanas, que são dívidas para com empresas portuguesas. Essas dívidas têm um passado: há uma grande concentração de algumas faturas emitidas por empresas portuguesas num período entre 2014 e 2016, algumas em moeda local, em kwanza, em contratos com emissão em moeda angolana e, como nós sabemos no passado recente, a moeda angolana sofreu uma forte depreciação.
Portanto, há aqui por parte de muitas empresas portuguesas, primeiro, a legítima vontade e desejo que as suas faturas sejam pagas pelo valor facial que tinham na relação entre o kwanza e o dólar ou o euro, à data de emissão de fatura. E há também - e nós compreendemos também a circunstância que atravessa a economia angolana - que com a forte depreciação da sua moeda, também em grande parte resultado da diminuição significativa do preço do petróleo nos mercados internacionais, nesse período a que fiz referência, faz com que seja necessária uma aproximação que permita três passos fundamentais. Primeiro, uma boa certificação da dívida, um reconhecimento da dívida; segundo, uma discussão em torno da forma como se pode pagar, uma modalidade de pagamento; e terceiro, que essa modalidade de pagamento acabe plasmada num cronograma de pagamentos.
São três etapas que estão a decorrer, há um empenho das entidades angolanas em fazê-lo e isso é algo que temos de reconhecer. O processo de certificação teve, eu sublinho, uma evolução positiva nos últimos tempos. Eu recordo que vi em julho que foi dada uma clara indicação por parte do Governo angolano de aumento da velocidade de certificação e nós temos sentido que, de alguma forma, isso tem vindo a ocorrer. Mas há um caminho a percorrer e nós procuraremos, durante estes dois dias, dar contributos para que possa ser percorrido mais depressa.
Nos últimos anos, as trocas comerciais entre os dois países diminuíram cerca de 40%. Que expectativa é que tem de recuperar pelo menos 40%?
Nós temos sempre essa expectativa. Olhando para o passado, nós percebemos que Portugal teve em Angola, aproximadamente, 10 mil exportadores. E hoje terá 5.800 exportadores. Há que registar uma recuperação de 2017 face a 2016. Agora, é evidente que nós sabemos que a economia angolana continua, apesar de todos os esforços de diversificação, dependente do preço do petróleo e das exportações de petróleo. É evidente que quando a economia angolana sofre com a depreciação do valor do petróleo, inevitavelmente as suas condições de comprar nos mercados externos diminuem. E isso faz-se sentir nos últimos anos.
E a expectativa que temos é de que, sem prejuízo dessas dificuldades, Portugal possa contribuir, primeiro, para a opção política da diversificação da economia angolana, que é uma opção política, fica anunciada pelas autoridades angolanas, e segundo, continuar a apoiar as empresas portuguesas nesta sua opção. Porque, apesar de termos diminuído o número de exportadores nos últimos anos, Angola continua a ser claramente um dos três mercados para onde mais as empresas portuguesas exportam. Há muito emprego em Portugal, há muito rendimento de famílias e empresas em Portugal, que depende também do sucesso dessas empresas no mercado angolano.
E por isso, o apoio institucional, o apoio político que o Governo vem dando a estas empresas neste mercado tão importante.
Angola quer diversificar do petróleo, Portugal quer diversificar da construção civil. Quais podem ser as áreas preferenciais?
Essa é uma excelente pergunta, porque é uma dupla vontade. Evidentemente que as nossas empresas de construção civil são muito importantes no mercado angolano, têm aqui um mercado muito importante e nós continuamos e continuaremos a apoiar o setor da construção civil em Angola. Agora, é evidente que todos gostaríamos de diversificar risco e para diversificar risco, temos também de diversificar setores mercados.
Já temos alguns bons exemplos no setor agroindustrial aqui em Angola. O setor dos serviços, que é verdade que tem sido fortemente penalizado pela escassez de divisas e, com essa escassez de divisas, tem tido grandes dificuldades na transferência de recursos do mercado angolano para o mercado português, para Portugal. Mas temos procurado também no setor agrícola, que é uma das grandes prioridades do setor angolano, nós temos um “know-how” que está demonstrado, o aumento de exportações no setor agrícola é um dos elementos mais importantes e mais positivos do setor exportador português, esse “know-how” de utilização de água, de combinação de culturas, terra e de outros recursos, de tecnologia, e esses recursos estão disponíveis também para transacionar, mas para investir em mercados externos.
Se combinarmos estas duas vontades, tenho a certeza que, num futuro próximo, poderemos ter, no relacionamento entre Portugal e Angola, um peso menos significativo da construção civil. Sem prejuízo dessa concentração, a verdade é que Portugal exporta de tudo para Angola e é preciso ter essa noção. Nós exportamos desde produtos alimentares a equipamentos, vestuário e calçado... O conjunto de produtos que Portugal exporta para o mercado angolano é muito diversificado, mas, evidentemente, se olharmos para o volume de negócio, é verdade que o setor da construção tem muito peso.