​Jornalista da Renascença Catarina Santos volta a vencer Prémio Gazeta Multimédia
27-06-2016 - 18:04

Principal galardão do jornalismo português distingue a reportagem “20 anos são dois dias”, feita na Bósnia.O prémio é entregue esta noite, no Salão Nobre da Caixa Geral de Depósitos, numa cerimónia que conta com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.


A jornalista da Renascença Catarina Santos voltou a vencer o Prémio Gazeta Multimédia. O júri premiou a reportagem “20 anos são dois dias”, feita na Bósnia, 20 anos depois do massacre de Srebrenica.

É a primeira vez que um jornalista vence pelo segundo ano consecutivo um prémio Gazeta, os mais prestigiados galardões do jornalismo português. Catarina Santos já tinha conquistado o Gazeta Multimédia 2014, com a reportagem “A sul da sorte”.

“Com recurso a texto, vídeo, fotografia e elementos gráficos”, escreve o júri, “Catarina Santos revisita a Bósnia e Herzegovina, 20 anos depois do fim da guerra, procurando entender, e descrever, até que ponto as feridas abertas pelo conflito foram sarando, e se a miragem de uma possível integração na União Europeia contribui ou não para o desenvolvimento efectivo do país.”

Ricardo J. Rodrigues (Imprensa), Rita Colaço (Rádio), Sofia Leite (Televisão), Pepe Brix (Fotografia), Catarina Santos (Multimédia) e Sibila Lind (Revelação) são os vencedores dos Prémios Gazeta 2015. O júri atribuiu o Troféu Gazeta de Mérito a Vicente Jorge Silva e distinguiu o semanário "Reconquista" com o Gazeta da Imprensa Regional.

É o segundo ano consecutivo em que ganhas o Prémio Gazeta Multimédia. Como é que recebeste a notícia?

Ainda estou um bocadinho abananada. Parece-me um bocadinho surreal. Fico extremamente contente. É uma óptima notícia para a Renascença e para o seu departamento multimédia, para projectar o que fazemos aqui todos os dias.

A surpresa foi maior ou menor do que em 2015?

Não sei comparar. Há uma coisa curiosa. No ano passado, quando me ligaram a dar a notícia, estava mergulhada a fazer precisamente este trabalho sobre a Bósnia – tanto que fiquei extremamente contente ao mesmo tempo que pensava: "A última coisa de que precisava agora era este elemento de distracção porque preciso mesmo de concentrar para acabar este trabalho.” Agora, um ano depois, esse mesmo trabalho dá novamente o mesmo prémio. É inacreditável. Já não estava a pensar nisso e, desse modo, foi novamente uma surpresa.

O que te leva a ir à Bósnia fazer este trabalho?

Fazia 20 anos desde que acabou a guerra da Bósnia, com o acordo de Dayton, e estava quase a fazer 20 anos que passavam sobre o massacre de Srebrenica. Em 1996, um ano depois de acabar a guerra, Portugal participou em força no esforço para pacificar o país. Tivemos equipas da Renascença que cobriram esses momentos e achámos que, 20 anos depois, era necessário voltar lá e perceber o que tinha acontecido ao país, ver como se tinha curado, ou não. Foi um assunto que esteve próximo dos portugueses há 20 anos, era importante fechar essa porta e regressar lá para ver o que tinha acontecido.

A reportagem chama-se “20 anos são dois dias” porque a guerra é ainda uma memória fresca. Sentiste isso logo que pisaste a Bósnia?

Estive lá uma semana, antes da visita do Papa Francisco a Sarajevo. Nota-se, é impressionante como até numa conversa de café ou na rua estão muito presentes as divisões que ficaram. O próprio sistema de ensino é dividido em três, tudo é dividido em três. Isso permaneceu de uma forma demasiado evidente passados 20 anos.

Daí o título do trabalho. A sensação que se tem quando se vai falando com as pessoas das mais variadas classes sociais e cargos de responsabilidade é que não passou tempo nenhum porque as feridas continuam abertas.

A reportagem começa com uma pergunta que te dirigiram: “Qual é o teu conflito?”

Essa é a realidade da Bósnia quase desde sempre, sempre foi uma zona de conflito. É um bocadinho difícil pormo-nos no lugar deles porque nunca tivemos essa realidade. E para eles era muito difícil fazer o esforço contrário. Uma das coisas que me perguntavam imediatamente quando se está naquele momento de desbloquear uma conversa era: “Lá em Portugal, vocês têm um conflito com quem?”. Aquilo está tão enraizado, em todas as pessoas, sejam bósnios croatas, bósnios sérvios ou bosníacos (o que eles chamam aos muçulmanos da Bósnia), e mesmo em pessoas que já nasceram depois da guerra, mas cresceram a ouvir aquelas histórias. Aquilo está tão entranhado que só concebem o mundo assim, sempre em permanente oposição com o outro, sempre num jogo de forças com o outro.

Fizeste a reportagem – texto, vídeo, som – sozinha na Bósnia. Como é trabalhar assim?

É fundamental antes de sair de cá fazer o máximo de produção, o máximo de contactos possíveis porque lá, como é só uma pessoa, haverá menos espaço para isso. Depois, chegando lá, é andar com a mochila com muito material às costas, tudo disponível permanentemente, fazer muitos quilómetros e andar a tentar desdobrar os dias. Ao mesmo tempo, é muito motivador e intenso porque tenho que controlar todo o processo, as entrevistas, a qualidade da imagem, se o som está a ficar bom...

Tínhamos uma preocupação acrescida porque já tínhamos planeado que, antes de a reportagem sair, queríamos lançar uma série de oito crónicas rádio, diárias, que antecediam a reportagem. Ia precisar de muito material extra para contar essas histórias. É preciso estar muito atenta e concentrada, e a fazer 30 coisas ao mesmo tempo. Mas há um lado muito desafiante nisto e muito motivador.

Das várias histórias que contas na reportagem há alguma que te tenha ficado particularmente na memória?

É um mosaico, não é muito fácil escolher só uma. Há um rapaz, dono de uma pensão em Srebrenica. O pai dele foi um dos muçulmanos que conseguiram sobreviver ao massacre. O pai dele ficou em Srebrenica, ele fugiu para outra cidade, Tuzla. A forma como ele recordava esses anos e a amargura que continuava a carregar, passados 20 anos, para uma pessoa assim tão nova, foi uma coisa que me marcou. Se este trabalho não tivesse esta vertente multimédia, com vídeo, perdia-se essa carga que é estar a olhar para a expressão dele.

A história é dramática por si, mas o peso da voz, os olhos dele, toda a expressão, torna tudo mais pesado. Ele era um rapaz de perto de 30 anos e tinha uma carga de uma pessoa de 60 anos na voz e nos olhos. Era muito ressentido. Ele é muçulmano e era muito ressentido mesmo com a forma como os muçulmanos foram reagindo à reconstrução das coisas nestes anos todos, muito ressentido com o facto de os muçulmanos não terem regressado a Srebrenica e não terem retomado o património que era deles (e agora as casas estarem lentamente a serem perdidas para os sérvios da Bósnia). Havia uma desilusão enorme na forma como ele descrevia a comunidade internacional, na fé que perdeu em tudo o que fossem instituições internacionais.

Ele estava a tomar conta de um negócio que estava a correr bem e, ao mesmo tempo, tinha uma carga... Era um rapaz de 30 anos com uma desilusão tão grande que era difícil encaixá-la nesses 30 anos de vida.