A batalha de Mariupol vai ocupar um lugar destacado na história da invasão russa. A resistência ucraniana atingiu ali as suas cotas mais elevadas, depois de centenas de combatentes, escondidos nos túneis da siderurgia Azovstal, terem mantido ocupados durante semanas os soldados russos, restringindo a sua capacidade de se manterem concentrados noutras latitudes.
Mas também é verdade que Mariupol pode ser reclamada como uma vitória de Putin, por mais que o líder russo tenha reduzido a escombros uma cidade de 450 mil habitantes como, antes, já havia destruído Grozny ou Aleppo.
Ainda que o valor estratégico do principal porto ucraniano no mar de Azov seja inquestionável, a sua influência no curso da guerra pode depender mais das vantagens simbólicas que cada um dos lados possa daí extrair do que da utilidade real de uma cidade em ruínas.
Mas cada vez mais o futuro da guerra parece ser decidido no Donbass, depois dos russos terem sido expulsos de várias regiões – e numa altura em que o bloqueio dos portos de Mariupol e Odessa está a impedir a exportação de milhares de toneladas de cereais para a alimentação de alguns dos países mais pobres do mundo.
Como consequência da atitude de Putin, o aumento da fome e da insegurança alimentar pode agravar ainda mais as profundas crises económicas e os conflitos em algumas das zonas mais instáveis da África e do Médio Oriente – um cenário assustador que levou já a vários alertas das Nações Unidas. Só o programa alimentar da ONU, o PAM, a chegar a 125 milhões de pessoas em todo o mundo, compra 50% de todos os cereais à Ucrânia.
Do lado russo, na última sexta-feira, o Kremlin fez saber que uma eventual abertura dos portos no sul da Ucrânia teria de ser compensada com o fim das sanções à Rússia. Assim, o Kremlin está a ser acusado de usar a alimentação de milhões de pessoas em países pobres como arma de guerra no conflito. Quão grave pode ser este ângulo numa guerra cheia de zonas de penumbra?
A análise é de José Alberto Lemos, Nuno Botelho e Eduardo Baptista Correia.