Por estes dias, o mundo todo cabe no nosso país. De Norte a Sul, passando pelas ilhas – milhares e milhares de jovens de toda a parte vão chegando ao país para participarem na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que se concentrará em Lisboa, Loures e Oeiras, de 1 a 6 de agosto, respondendo ao apelo do Papa Francisco. São muitos jovens, a grande maioria católicos, mas também há outros de diferentes confissões cristãs e de outras religiões.
Se as nossas preocupações têm estado concentradas na organização e na logística de um evento com esta magnitude, que são sempre importantes, o apelo que o Papa deixa para este encontro vai mais fundo. Francisco suscita o exemplo de Francisco de Assis, a quem foi buscar a inspiração para o seu nome, mas também a dois dos seus textos que servem de guia para esta JMJ: as encíclicas Laudato Si' e Fratelli Tutti.
No primeiro texto, somos convocados a defender com urgência o planeta em que habitamos. “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar.” (Laudato Si’, 13)
Esta casa comum é feita de gentes, como bem sublinha o Papa no segundo texto, retomando palavras de Francisco de Assis, que dizia que era “feliz quem ama o outro, «o seu irmão, tanto quando está longe, como quando está junto de si». Com poucas e simples palavras, [o fundador dos franciscanos] explicou o essencial duma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da Terra onde cada uma nasceu ou habita” (Fratelli Tutti, 1), escreve o Papa.
Trago aqui estas duas passagens pelo que significam para esta Jornada: um acontecimento que convoca todos os jovens e outros participantes a entenderem esta imensa “casa comum” como um espaço que é de todos, feito por todos, sem deixar ninguém para trás. Noutras ocasiões, tive a oportunidade de sublinhar que este é um encontro que extravasa as fronteiras do mundo católico, e que juntará muitos milhares de jovens num curto espaço de tempo em Portugal.
É, pois, um evento único, que também traz inscrita uma ideia muito cara ao Papa Francisco: a do diálogo entre povos e culturas. E é isso que importa celebrar.
Portugal tem também registada na sua matriz democrática a secularidade própria do Estado, que não significa remeter para dentro dos templos a pertença a uma religião. Tratando-se de um dos países no mundo com maior liberdade religiosa, para o Governo é claro que o Estado secular e laico se concretiza a si próprio neste ideal de tolerância e na presença das diversas religiões em todo o país como fator decisivo da sua coesão social.
Este pluralismo e a igualdade cumprem-se no reconhecimento de uma importância específica das igrejas e das comunidades religiosas, designadamente no apoio às famílias, aos jovens e aos idosos, sublinhando o desempenho social de todas as fés.
A integração que nos compete fazer de quem chega de fora, de quem se agrega e procura raízes e uma identidade, onde muitas vezes o fio condutor passa pela natureza religiosa do vínculo, é procurar o equilíbrio necessário entre uma cultura de liberdade religiosa e uma cultura democrática e plural de opiniões e valores, um sentido de pertença na diversidade e não de exclusão pela especificidade, como ainda, por vezes, acontece.
O Papa Francisco apela a que ninguém seja excluído, neste caminho, o migrante e o refugiado, aqueles que são os mais vulneráveis de todos, que arriscam a vida por uma vida melhor, que deixaram tudo o que tinham, que perderam tudo em guerras ou por desastres naturais e climáticos.
Há mais de um ano que também a Europa vive em guerra, depois da invasão da Ucrânia, e sabemos como é pertinente sublinhar a importância das instituições democráticas, assim como o papel das igrejas e das religiões na valorização do diálogo entre povos e comunidades religiosas.
Este diálogo cultural e interreligioso é assim mais decisivo em tempos de guerra como meio necessário para se encontrarem os caminhos da paz. E os jovens são parte essencial deste esforço, são parte decisiva deste modelo de convivência e diálogo, de partilha e de representação pacífica de credos e opiniões, mesmo se divergentes.
Há poucos anos, um estudo demonstrava que 42% dos jovens portugueses dizia não ser religioso, mas a Igreja Católica ainda congregava 50% da adesão religiosa, a que se segue o ateísmo ou a indiferença. Na Europa esse valor é maior. Outros jovens chegaram a ter credo, mas decidiram deixar de ter, outros ainda mudaram a sua orientação religiosa. Ora, tudo isto, numa lógica democrática e cívica, moderna e esclarecida, é justo e aceitável.
Sabemos também que há mudanças, sobretudo de forma, na participação dos jovens na sociedade, que o fazem menos nas formas ditas convencionais, mas mais de novos modos, virtuais ou outros. Que se dedicam ao Outro, aos que estão a nosso lado, pelo associativismo e pelo voluntariado, por exemplo. Há, portanto, um humanismo, e isso é algo fundamental no que representa de ligação e atenção ao Outro.
É fundamental que aquilo que importa aos jovens seja ouvido também nas comunidades religiosas, que a igualdade de oportunidades – para jovens rapazes e raparigas, de plenos direitos cívicos e democráticos – seja um lugar no coração das instituições religiosas e que uma educação para a pluralidade, transversalmente presente nas religiões, possa contribuir para sociedades modernas, nas quais os jovens tenham um papel determinante para que sejam mais dialogantes, mais justas, mais inclusivas, mais interculturais, mais democráticas, pacíficas e progressistas. Ou, como tão bem aponta o Papa Francisco (e repito-o porque é importante não esquecer estas palavras), “reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita”.
O mundo todo por estes dias cabe na nossa mão.
Ana Catarina Mendes, ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares