A ideia para o romance nasceu em 2017 quando uma amiga perguntou a Paulo Jorge Pereira porque não escrever sobre uma mulher que foi agente da PIDE. O resultado sai agora em forma de romance, no ano em que Portugal vai a eleições legislativas e está a comemorar os 50 anos do 25 de Abril de 1974.
“Filho da PIDE” (Ed. Oro Caleidoscópio) é um livro onde a ficção e a realidade surgem misturadas. Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, o autor conta que sentiu necessidade de fazer este “exercício de memória”, por considerar que “estamos a viver tempos sombrios” com o “crescimento em Portugal da extrema-direita radical e populista”.
No centro da ação do livro que parte da história de Carlos, um jovem emigrado em França que regressa a Portugal em busca das suas origens, está a vida de Filomena, uma agente da PIDE envolvida em vários casos de tortura. “É ainda mais intenso e invulgar porque, se calhar, a maior parte das pessoas nem sequer sabe que agentes da PIDE mulheres foram também muito intensas na crueldade e muito intensas nas torturas”, explica o autor.
“A ideia de partir do filho é uma espécie de subterfúgio, porque na minha perspetiva a história principal é a que une e distancia duas mulheres ao longo do tempo. É propositadamente um período de 50 anos, porque me pareceu que essa era uma distância suficientemente forte e pesada para que as pessoas pudessem perceber como as coisas são tão marcantes e não desaparecem. Apesar do tempo passar, é muito difícil alguém esquecer coisas como aquelas que aconteceram”, relata Paulo Jorge Pereira.
A pesquisa que dá realismo à ficção
Este livro recheado por um mosaico de personagens, implicou um intenso trabalho de pesquisa. “Passou por uma série de locais, desde a Torre do Tombo, ao Museu do Aljube, onde há um projeto maravilhoso chamado Vidas Prisionáveis, em que mulheres e homens presos e torturados pela PIDE contam as suas experiências. Fui também à Hemeroteca”, indica o escritor que acrescenta também o Arquivo do Patriarcado e o Gabinete de Estudos Olissiponenses.
“Fui a uma série de locais à procura de elementos que me permitissem estar, não em cima da realidade, mas muito próximo dela, de maneira que pudesse estar a escrever sobre coisas que de facto se passaram, alterando nomes, e alterando por vezes datas”, sublinha Paulo Jorge Pereira.
Não há coincidências
Apesar de ter já longos anos de escrita, o lançamento deste livro editado pela chancela Oro, da editora Caleidoscópio, coincide com o ano de eleições legislativas e dos 50 anos da democracia portuguesa. Paulo Jorge Pereira fala em “coincidência”, mas destaca a importância dela para, através da ficção, deixar pistas.
“Hoje a direita populista entrou no Parlamento e está, pelos vistos, segundo as sondagens, a ganhar força. Era importante que as pessoas percebessem o que é que aconteceu em Portugal antes do 25 de Abril, o que foram 48 anos de ditadura, e, através desse exercício de memória, podíamos voltar a falar de coisas de que se fala pouco. Não se fala muito sobre aquilo que foi a ação da PIDE, sobre as marcas que ficaram da ditadura nos portugueses e creio que cada vez é mais importante que se fale”, aponta o escritor que já foi jornalista.
Paulo Jorge Pereira lembra o extremismo que foi o nazismo. Evocando as palavras de Hannah Arendt que falou da “banalidade do mal”, o autor indica que é importante perceber que “por mais cruéis que sejam os torturadores da PIDE, por mais implacáveis que sejam os métodos, estamos sempre a falar de pessoas”.
“As atrocidades que estão a ser cometidas no mundo estão a ser cometidas por pessoas como nós. E por isso, essa é uma noção que devemos ter, desde logo, para percebermos que só nós podemos evitar que coisas dessas se repitam. Está nas nossas mãos”, remata Paulo Jorge Pereira, com o aproximar das eleições.
Segundo o autor, “o lugar da ficção serve” para lançar a reflexão. “Por vezes é mais fácil chegar às pessoas, interessá-las do ponto de vista daquilo que é a narrativa, de maneira que elas próprias depois tomem a iniciativa e vão à procura de saber mais sobre coisas que estão ali contadas”.
“Eu continuo a pensar pelo menos até 10 de março, que o crescimento da extrema-direita está nas nossas mãos” refere o escritor. Paulo Jorge Pereira interroga-se: “Em que momento da História do mundo e da história de Portugal é que a extrema-direita foi solução para alguma coisa? Nunca foi e, portanto, não vai ser aqui que a extrema-direita vai ser solução para alguma coisa”, diz o autor de outros livros como “Filhos da Primavera Árabe”.
Paulo Jorge Pereira teme um retrocesso na História caso a extrema-direita ganhe espaço no Parlamento. “É voltar para trás no tempo. É uma das coisas que me lembro de criança, é que nós sempre dissemos que não voltaremos para trás, portanto, não voltar para trás é defender a democracia, e não defendemos a democracia com inimigos da democracia”, conclui o escritor.
A apresentação do livro “Filho da PIDE” está marcada para 24 de fevereiro na Biblioteca de Alcântara e a 27 de março na Fundação José Saramago.