Refugiados. “Olhem humanamente para esta questão"
17-01-2016 - 19:05
 • Olímpia Mairos

“Misericórdia sem fronteiras” foi o tema que congregou este fim-de-semana os animadores Sócio-pastorais das Migrações, no Seminário de São José, em Bragança.

A crise dos refugiados dominou o XVI Encontro de Animadores Sócio-pastorais das Migrações que se realizou este fim-de-semana em Bragança.

Eugénia Quaresma, directora da Obra Católica das Migrações, mostrou-me preocupada com a demora na chegada dos refugiados ao nosso país e pediu à União Europeia maior celeridade na resolução deste problema que atinge milhares de pessoas a viverem situações dramáticas.

“É preocupante esta demora. Estamos no inverno. Há refugiados a viver situações dramáticas. Olhem humanamente para esta questão”, pede Eugénia Quaresma, realçando que “está tudo muito preocupado com a segurança, que é real, mas a nossa preocupação é salvar vidas”.

A directora da Obra Católica das Migrações diz que falta à União Europeia um projecto político de acolhimento aos refugiados.

“Há medidas da União Europeia para manter os refugiados, por exemplo, na Turquia. Dão dinheiro para mantê-los lá. Não há uma política de acolhimento conjunto, de integração. Falta este projecto a longo prazo”, refere Eugénia Quaresma, ao mesmo tempo que apela aos “decisores políticos” para que se mobilizem no sentido de “uma política de acolhimento e que não seja apenas a sociedade civil a dar esta abertura”.

A Portugal chegou apenas um grupo de 24 refugiados e ainda não se sabe quando chegará o próximo.

D. António Vitalino Dantas, membro da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, em declarações à Renascença, considera que “não podemos, por medidas burocráticas, estar a impedir que estes refugiados possam encontrar um destino, um lugar seguro onde possam lutar pela vida”.

“Não se percebe como no nosso país, e na Comunidade Europeia, demoramos tanto tempo a resolver estes problemas humanitários”, lamenta o bispo de Beja.

Refugiados estão a gerar “novas fronteiras na Europa”

Silva Peneda, assessor do Presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker, entende que o aumento dos refugiados está a gerar “novas fronteiras na Europa”, o que contradiz “a sua herança” e defende um compromisso a médio prazo para um problema que tem de ser olhado sobretudo a partir de quem “está a sofrer”.

A “Europa não está a cumprir o que é a sua herança, em termos de realização do ser humano em liberdade e assente na livre circulação de pessoas, bens e mercadorias”, afirmou o ex-presidente do Conselho Económico e Social.

Para Silva Peneda é necessário contrariar uma “visão imediatista” que “leva a populismos fáceis, a xenofobismos”, por uma estratégia a médio prazo” que envolva “todos”, porque “só com a contribuição de todos” é que a questão dos refugiados pode ser resolvida.

“Nos próximos 40, 50 anos, a Europa vai precisar de muita força de trabalho e essa força de trabalho terá de vir do Norte de África e do Médio Oriente”, diz Silva Peneda.

“O caso dos nossos irmãos refugiados tem de ser resolvido hoje e agora”

D. António Couto, bispo de Lamego, considera que o problema dos refugiados na Europa é uma “questão essencial”, a exigir “capacidade rápida, quase instintiva” na reacção das sociedades.

“Falta-nos ter um coração maternal e uns braços para acolher os nossos irmãos que vivem em condições muito más. Nós vemos isso e não somos sensíveis”, referiu.

O bispo de Lamego deixou ainda o alerta de que “há, da parte do mundo ocidental, alguma desorganização, muita lentidão”.

“Deveríamos reagir mais pelas emoções, devíamos ser rápidos. O caso dos nossos irmãos refugiados não pode ficar para amanhã, tem de ser resolvido hoje e agora”.

D. António Couto entende que o acolhimento dos refugiados tem de acontecer de forma “quase instintiva”, a partir de uma “cultura da misericórdia”, mas admite que “não estamos preparados, não sabemos como reagir, nem dentro da Igreja nem na política”, porque “falta a cultura da misericórdia”.

“Nós dizemos que vivemos num mundo cristão e católico. No nosso país, quase toda a gente se diz católica, mas, no fundo, as pessoas não têm quase nenhuma formação, não sabem o que é ser cristão, da Bíblia não conhecem quase nada, de textos dos Magistério nada conhecem, de textos litúrgicos também não”, referiu o bispo de Lamego.

D. António Couto fez a conferência de abertura do XVI Encontro de Animadores Sócio-pastorais das Migrações com o tema “Viver a misericórdia. Fundamentos bíblicos”.

“Esta é uma crise universal”. Comunidade internacional com responsabilidades

No encontro de Bragança esteve também o presidente da Cáritas do Líbano, padre Paul Karam, que responsabilizou a comunidade internacional pelo conflito sírio.

“A responsabilidade da comunidade internacional é muito grande, porque o aspecto político desta situação tem consequências muito negativas, dramáticas para toda a pessoa humana”, disse em declarações à Renascença.

“Muitos refugiados da Síria chegam ao Líbano com situações precárias a nível sanitário, alimentar e higiénico”, exemplificou.

Cabe também a toda a comunidade internacional “ajudar todos os refugiados porque esta é uma crise universal”.

A Europa, no entender de Paul Karam deve “fazer pressão junto dos chefes políticos” dos países em guerra, e que geram refugiados, e “encorajar o caminho da paz e não o caminho da guerra e da violência”.

O presidente da Cáritas do Líbano entende também que “todos os organismos internacionais têm a responsabilidade de fazer pressão junto dos chefes políticos e não levar as pessoas a morrer, mas sim conduzir as pessoas pelo caminho da cultura, da civilização, do testemunho do amor e da paz”.

O padre Paul Karam referiu que, dos 4 milhões de pessoas que vivem no Líbano, quase metade são refugiados de guerra, vindos do exterior, nomeadamente da Palestina, de onde chegaram mais de meio milhão.

“Após a guerra da Síria, chegaram quase dois milhões de refugiados, a maioria muçulmanos”, acrescentou.

O Líbano é o país que proporcionalmente acolhe mais refugiados do Iraque e, sobretudo, da Síria. Actualmente 232 por cada mil habitantes.

O apoio aos refugiados é coordenado pelo Centro de Migrantes Cáritas Líbano, que, com uma equipa multidisciplinar, “oferece a cerca de 200 mil refugiados assistência social, médica e legal”.

O XVI Encontro de Animadores Sócio-pastorais das Migrações decorreu entre sexta e domingo, no Seminário de São José, em Bragança, e encerrou com a celebração da Eucaristia do Dia Mundial do Migrante e Refugiado, transmitida pela Renascença, e com a abertura da Porta Santa no Santuário de Nossa Senhora de Balsamão.

Esta reportagem passa no "Princípio e Fim", da Renascença, a partir das 23h30 deste domingo.