A substituição de Mendes Calado por Gouveia e Melo como chefe de Estado Maior da Armada (CEMA) estava acertada entre todas as partes para acontecer em março.
Contudo, o processo acelerou e o Presidente da República sentiu-se ultrapassado e quis vincar que é que ele quem decide e é ele o comandante supremo das Forças Armadas.
De acordo com vários conhecedores do processo contactados pela Renascença, a decisão sobre a substituição do CEMA estava acertada há meses. Poderia, aliás, ter acontecido em fevereiro/março deste ano quando terminou o primeiro mandato do atual CEMA.
Contudo, o estado da pandemia e da vacinação não permitia libertar Henrique Gouveia e Melo das suas funções de coordenador da Task Force para a vacinação. Por isso, o Governo propôs a sua recondução e o Presidente aceitou. E o próprio Mendes Calado sabia que era uma recondução a prazo.
O acordo para a substituição era conhecido de militares e políticos. Paulo Portas, ex-ministro da Defesa, até se referiu à provável escolha de Gouveia para CEMA no seu comentário semanal na TVI, no sábado.
O atual CEMA e o ministro da Defesa tinham vários diferendos. Para além da reforma das Forças Armadas, que concentra poderes no Estado Maior General das Forças Armadas, nos últimos tempos não conseguiam resolver outros conflitos, entre os quais a nomeação do novo comandante naval do Continente. Mendes Calado queria nomear o Almirante Oliveira e Silva, mas a nomeação estava a ser travada pelo Chefe de Estado Maior (CEMGA), que também é da Marinha, o almirante Silva Ribeiro, e pelo ministro.
Um novo episódio terá acelerado o processo. Que começou por acelerar a saída de Gouveia e Melo da Task Force, ainda antes de atingidos os 85 por cento da meta de vacinação completa. A saída foi assinalada com uma cerimónia que teve a presença do primeiro-ministro, da ministra da Saúde, do ministro da Defesa e da ministra da Presidência.
No mesmo dia, terça-feira, o ministro da Defesa reuniu-se com Mendes Calado para lhe comunicar que ia pedir a exoneração de CEMA antes do prazo inicialmente acordado. Ao fim do dia a informação chegou à comunicação social. Primeiro, no Expresso e no Diário de Notícias que estabeleciam relação com a saída de Gouveia e Melo da Task Force, dando-o como provável novo CEMA.
Já à noite, a agência Lusa dava como certa essa substituição atribuindo a informação a fonte oficial.
A decisão cabe, em última instância ao Presidente da República, que pretenderia ser ele próprio a anunciar a escolha do almirante tornado herói da vacinação para chefe da Armada.
Marcelo não usa todos os poderes presidenciais, mas não aceita que lhe retirem um milímetro de qualquer desses poderes, como salientaram à Renascença, pelo que esta quarta-feira fez questão de mostrar que é ele quem manda na nomeação dos chefes militares.
Numa visita à Casa do Artista, o Presidente reconheceu que a substituição de Mendes Calado ia acontecer, mas avisou que este não era o momento para se falar do assunto. Quase à mesma hora, no campo militar de Santa Margarida, o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro da Defesa, Gomes Cravinho, remetiam-se ao silêncio, não prestando declarações aos jornalistas à margem da cerimónia de receção do Estandarte Nacional da 6ª Força Nacional Destacada no Afeganistão.
“Não acredito que tenha sido feito à revelia. Acho que o Presidente da República queria ser ele a anunciar”, disse à Renascença um responsável político socialista. Outras fontes contactadas pela Renascença, tanto socialistas, como de direita, estão convictas que nem o primeiro-ministro, nem o ministro da Defesa, teriam avançado para a exoneração do CEMA, sem articulação prévia com o Presidente da República.
Esta quarta-feira à noite, Costa e Cravinho foram esclarecer os “equívocos” com o Presidente.
A reunião foi curta e, no fim, o Presidente fez publicar uma nota em que dá conta que “ficaram esclarecidos os equívocos suscitados a propósito da Chefia do Estado-Maior da Armada” .