O Banco de Portugal pede cuidado aos bancos na concessão de crédito à habitação, avisando que muitas famílias podem não conseguir pagar a dívida de futuro, e pondera mesmo adoptar medidas para restringir acesso a crédito a devedores muito endividados.
"Os desenvolvimentos do preço no mercado imobiliário podem acarretar riscos para a estabilidade financeira na medida em que conduzem ao relaxamento dos critérios de concessão de crédito à habitação num contexto de elevado endividamento das famílias", avisa no Relatório de Estabilidade Financeira, divulgado na quarta-feira.
Segundo o banco central, são muitas as famílias com "endividamento muito elevado face ao seu rendimento", sendo mais vulneráveis aquelas com menores rendimentos, o que as coloca numa situação especialmente difícil caso haja algum corte do nível de rendimento [por exemplo, em caso de desemprego] ou um aumento das taxas de juro.
Assim, diz, "importa assegurar que as actuais dinâmicas do crédito à habitação e da economia, em particular do mercado imobiliário, não comprometem, por um lado, a redução do ainda elevado rácio de endividamento dos particulares, e, por outro lado, não promovem a acumulação de risco excessivo no balanço dos bancos e a excessiva alocação de recursos da economia no sector imobiliário".
O Banco de Portugal pede assim, que os bancos baseiem as suas decisões de conceder crédito a "análises adequadas da capacidade de serviço da dívida por parte dos clientes", em particular caso haja uma evolução desfavorável da economia e das condições financeiras, como aumento das taxas de juro.
No comunicado que acompanha o relatório, o Banco de Portugal vai ainda mais longe e diz mesmo que "pondera adoptar medidas com vista ao reforço da avaliação, pelas instituições de crédito, da capacidade creditícias dos mutuários particulares".
O banco central não especifica de que medidas se trata, mas serão dirigidas aos devedores, como aumento das garantias prestadas, o que poderá dificultar o acesso ao crédito de clientes mais endividados.
O relatório agora divulgado diz ainda que a percentagem de famílias financiadas por crédito para comprar casa era, em Junho deste ano, de 45%, mais do dobro do valor mínimo de 20% em 2013, mas abaixo dos 65% de 2009. Os preços do imobiliário residencial cresceram cerca de 20% entre final de 2013 e Junho de 2017.
Não há bolha
Apesar deste aumento, o banco central considera que os preços das casas a nível nacional estão "próximos dos níveis justificados pelos fundamentos", mas não afasta a "possibilidade de existirem apreciações excessivas em determinadas áreas geográficas, nomeadamente nos grandes centros urbanos".
Ainda segundo o Relatório de Estabilidade Financeira, apesar de as novas operações de créditos à habitação estarem a aumentar desde 2013 e a acelerar desde 2015, o "stock" de crédito à habitação continua a diminuir, devido às amortizações e vencimento de empréstimos que superam as novas operações.
No final de Setembro, os bancos tinham emprestados às famílias 93.568 milhões de euros para compra de habitação, o valor mais baixo desde 2007, segundo dados do BPStat.
O Relatório de Estabilidade Financeira refere ainda, sobre a exposição do sector bancário ao imobiliário, que no final de 2016 os bancos tinham em balanço 7,4 mil milhões de euros de imóveis entregues para pagamento de dívida.
A maior parte dos imóveis foi recebida entre 2012 e 2015, anos de pico da crise económica e financeira, e 28% estão localizados no distrito de Lisboa.