A maioria das pessoas detidas por suspeita de terem provocado um incêndio – 62% de um total de cerca de 110, até ao momento – ficaram privadas de liberdade depois de terem sido levadas a um juiz.
Em entrevista à Renascença, o diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária, Carlos Farinha, diz que os números mostram que “tem melhorado a qualidade processual das situações apresentadas às autoridades judiciais quando ocorre uma detenção”.
É seguramente uma das taxas mais elevadas de sempre de prisões preventivas e domiciliárias aplicadas a alegados incendiários – “uma significativa percentagem”, diz.
“O nosso objetivo não é perseguir por perseguir; o objetivo é evitar que os crimes se repitam e isso só se consegue se houver indícios fortes e evidentes, se houver prova de qualidade”, explica este dirigente da Polícia Judiciária, garantindo que o trabalho no terreno melhorou depois de 2017.
A estratégia definida passa por uma melhor articulação institucional entre todas as entidades envolvidas na prevenção e combate aos incêndios, mas também pela criação de duas equipas multidisciplinares que juntam recursos da Judiciária, da GNR e do Instituto de Conservação da Natureza.
Estas equipas “procuram aliar-se ao sistema de vigilância, para que a deteção das ignições seja feita o mais possível no seu início, não só em termos de combate mas também da sua investigação. Com isso tentamos igualmente reduzir a percentagem dos incêndios cuja causa é desconhecida ou não foi apurada”, explica Carlos Farinha.
Mas pode ainda pode ser melhor, se as polícias forem autorizadas a juntar aos inquéritos imagens captadas na fase da prevenção e vigilância, “que esperamos que possam vir a ser usadas também como meio de produção de prova relativamente àquilo que se tenha passado”.
Carlos Farinha refere-se aos drones que este ano começaram a ser usados pela Força Aérea na vigilância das florestas, mas também a todos os sistemas de videovigilância que autarquias e indústrias têm instalado precisamente para proteger determinadas áreas.
“Incêndio doloso não é, nem de perto nem de longe, a principal causa”
O que parece não mudar, são as causas dos incêndios. Apesar de todas as campanhas, leis, avisos e alertas criados depois do ano trágico de 2017, a verdade é que “muitos dos incêndios ocorrem num contexto de negligência e de incumprimento pelos alertas da Proteção Civil”.
“Há imensos incêndios que resultam de más práticas no uso do fogo, descuidos, situações que no início não tinham qualquer intensão de provocar um incêndio, mas que, face às condições meteorológicas, e ao estado dos combustíveis, acabam por se transformar em incêndios com uma dimensão significativa”, explica.
Há muitos anos que é assim, e Carlos Farinha diz que este não foge à regra: “o incêndio doloso não é, nem de perto nem de longe, a principal causa de ignições”.
O diretor nacional adjunto da PJ sublinha ainda o seguinte: “é fundamental perceber que os incêndios não são só um problema de um pequeno grupo, de um conjunto de pessoas que por qualquer razão tenham particular tendência ou gosto por provocar incêndios”.
E é na sequência de trabalhos nos “mundos florestal e agrícola” que continuam a registar-se a maior parte das ignições, através de “más praticas agrícolas ou práticas fora de tempo, a utilização de determinada maquinaria, a utilização de infraestruturas instaladas na floresta que podem gerar ignições”.
Pelo crime de incêndio, doloso ou negligente (porque qualquer deles é crime), Judiciária, GNR e PSP já detiveram este ano cerca de 110 pessoas.
O número, embora elevado, está dentro da média da última década, mas há um indicador que chama claramente a atenção: o número de mulheres detidas por suspeita de fogo posto.
Este ano, “temos verificado uma tendência para o aumento do género feminino. Em 2017, por exemplo, tínhamos cerca de 10% – e já era uma percentagem bastante elevada – mas este ano as mulheres detidas já representam entre 13,5% e 15% do total”.