A palavra “espada” nunca aparece no Alcorão, mas num só capítulo da Bíblia, surge 18 vezes, diz o imã da Universidade de al-Azhar, Ahmed al-Tayeb, no Egipto, o mais importante centro de ensino de todo o mundo islâmico sunita.
Ahmed al-Tayeb está em Portugal para uma visita de poucos dias, que inclui participação nos festejos dos 50 anos da fundação da Comunidade Islâmica de Lisboa. Na quinta-feira deu uma conferência na Universidade Católica, em que falou da necessidade de reforçar o diálogo entre as religiões, para alcançar a paz no mundo.
De seguida conversou em exclusivo com a Renascença, a quem negou existir qualquer ligação entre o Islão e o terrorismo. Enquanto voz de uma visão moderada do Islão, o imã al-Tayeb encontra-se frequentemente no centro das críticas de quem o considera ou demasiado radical, ou demasiado conservador. É uma posição ingrata, mas desvaloriza as críticas.
“Há uma fação que procura sempre atribuir o terrorismo ao Islão, como se o Islão fosse a causa do terrorismo, e claro que esta fação vai dirigir as suas críticas à Universidade de al-Azhar. Nós trabalhamos sempre no sentido de mostrar ao mundo que o Islão e o al-Azhar não são a razão do terrorismo. O terrorismo tem outras razões, razões políticas”, explica.
“Eles criticam sempre, com muita força, as disciplinas educativas do al-Azhar. Mas
estas disciplinas vêm de séculos e temos grandes imãs e grandes homens religiosos que já estudaram estas disciplinas e nunca houve terrorismo. O que é que mudou?”
O imã aponta para as várias passagens do Alcorão que falam de forma respeitosa sobre cristãos e judeus, ou que proíbem a compulsão na religião. Mas para muitas autoridades muçulmanas, incluindo nomes de grande peso como Abu Bakr al-Razi, estas passagens foram abrogadas por aquele que é conhecido como o “versículo da Espada”. Na verdade há muitos versículos praticamente idênticos, mas a referência mais comum é versículo 5 da sura IX, que manda: “Matai os idólatras, onde quer que os acheis”.
Questionado pela Renascença sobre esta teoria, o imã al-Tayeb começa por esclarecer que “a palavra espada nunca aparece no Alcorão”, contrapondo que “no Antigo Testamento é mencionada, só num capítulo, 18 vezes. Então qual é o livro que podemos acusar de falar da espada? O Antigo Testamento ou o Alcorão?”
Por outro lado, diz que já leu os Evangelhos mais do que uma vez e que lá nunca encontrou apelos à violência, mas isso não impediu as cruzadas, em que “os soldados traziam a Bíblia numa mão e a Cruz na outra para matar e eliminar muitos grupos e muitos povos. Julgamos a Bíblia e Jesus Cristo por estes crimes?”, pergunta.
“Ou aceitamos que as religiões não têm esta violência, ou vamos acusar todas as religiões por incentivarem a violência. A culpa é de todos. Ou nos perdoamos todos, ou vamos julgar a todos”, conclui.
Depois, respondendo mais diretamente à pergunta, conclui que “quem diz que há versículos mais tardios que anulam os anteriores é porque quer usar a religião para seu benefício”.
“Deus não sofreu pelos homens, mas defendo o seu direito de acreditar nisso”
O Islão atribui uma grande importância a Jesus, reconhecendo-o como profeta, mas não como Deus. Ao contrário do Cristianismo, o Islão não acredita que Deus tenha sofrido pela humanidade, mas isso não deve ser razão para divisão, explica o imã.
“Deus não sofreu pelos humanos de uma maneira material, mas Ele ama os humanos e os humanos amam Deus. O amor existe no Alcorão”, diz.
“Embora eu não acredite que Deus tenha sofrido fisicamente, você tem o direito de acreditar, e eu defendo o seu direito a acreditar nisso. O problema está em obrigar as pessoas a aceitar uma crença. No Alcorão nunca se exige que as pessoas aceitem uma crença, como no Cristianismo Jesus nunca tentou obrigar ninguém a aceitar o Cristianismo. Cada um pode acreditar no que quiser”, conclui.
Ahmed al-Tayeb nasceu em 1946 e é de uma família com fortes tradições na corrente sufi do Islão, considerada herética por muitos extremistas islâmicos. Em 2010 foi nomeado para o cargo de imã da Universidade de al-Azhar pelo então Presidente Mubarak. Manteve o cargo depois da Primavera Árabe e apoiou a revolta do general Sisi que derrubou o Governo ligado à Irmandade Islâmica, um grupo a que al-Tayeb sempre se opôs. É considerado um dos intelectuais muçulmanos mais moderados no Egito.