PS e PSD alteraram o texto sobre metadados que vai a votos na sexta-feira, condicionando a conservação dos dados de tráfego e localização a um pedido de autorização judicial que deve ser decidido em 72 horas. Socialistas defendem que é melhor ter uma lei que soluciona parte do problema "do que continuar sem lei nenhuma".
A nova versão que está a ser negociada entre PS e PSD para contornar a declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional (TC) estipula que "os dados de tráfego e de localização apenas podem ser objeto de conservação mediante autorização judicial fundada" para fins de "investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes".
"O pedido de autorização judicial para conservação de dados de tráfego e de localização tem caráter urgente e deve ser decidido no prazo máximo de 72 horas", lê-se no novo texto, que altera a anterior versão negociada, e noticiada pela Lusa, segundo a qual os dados de tráfego não podiam ser eliminados "pelo período de duas semanas a contar da data da conclusão da comunicação".
Nesta nova versão, PS e PSD estipulam que, "de forma a salvaguardar a utilidade do pedido de autorização judicial para conservação de dados de tráfego e de localização, o Ministério Público comunica de imediato" às operadoras de telecomunicações "a submissão do pedido, não podendo os dados ser objeto de eliminação até à decisão final sobre a respetiva conservação".
Havendo autorização judicial, o texto prevê que "a fixação e prorrogação dos prazos de conservação referidos nos números anteriores deve limitar-se ao estritamente necessário para a prossecução da finalidade prevista" e deve "cessar logo que se confirme a desnecessidade da sua conservação", sem estabelecer prazos.
Essa autorização judicial compete "a uma formação das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, constituída pelos presidentes das secções e por um juiz designado pelo Conselho Superior da Magistratura, de entre os mais antigos destas secções", refere-se.
O prazo de 72 horas foi anunciado esta quarta-feira em debate em plenário pelo deputado do PS Pedro Delgado Alves.
"Apesar da solução que propúnhamos na versão anteriormente distribuída - uma não destruição durante 15 dias - nos afigurar equilibrada, o que é certo é que, relendo o acórdão, havia o risco de poder não passar o crivo do TC", explicou.
"É hoje muito mais importante termos uma lei que, para algumas circunstâncias, permite uma solução conforme à Constituição, de acordo com a leitura do Tribunal Constitucional, do que continuarmos sem lei nenhuma, que é o que temos agora", afirmou o deputado socialista.
Esta foi uma forma encontrada por PS e PSD para procurar ultrapassar a declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional (TC) ao decreto da Assembleia da República sobre esta matéria, que os juízes tinham considerado ultrapassar "os limites da proporcionalidade na restrição aos direitos fundamentais" ao prever a conservação generalizada de metadados.
Nesse texto, igualmente elaborado por PS e PSD, previa-se a conservação generalizada dos metadados durante três meses, sendo esse prazo prorrogado por outros três, salvo em caso de oposição expressa dos clientes.
Por sua vez, o deputado do PSD, André Coelho Lima, - que coordenou o grupo de trabalho sobre metadados - sublinhou que a nova proposta responde às dúvidas do TC no sentido em que já não prevê uma "conservação generalizada e indiscriminada", mas antes uma "conservação seletiva para pessoas ou eventos concretos determinados e mediante autorização judicial".
Coelho Lima considerou ainda que este processo legislativo é "um exemplo prático do que às vezes se diz que é o Estado de Direito democrático" e mostra que "o poder legislativo, contrariamente ao que se possa considerar, não tem a liberdade de atuação que se pensa, e está condicionado, e bem, pelo poder judicial".
BE diz que "não muda nada", IL fala em "oportunidade perdida"
O líder do Chega, André Ventura, defendeu que é importante "resolver de forma rápida e urgente" a questão dos metadados, considerando que o impasse pode colocar em causa "algumas investigações criminais importantes", mas defendeu que o parlamento poderia ter ido "mais longe" no prazo de conservação de metadados.
Pela IL, a deputada Patrícia Gilvaz sustentou que, ao condicionarem a conservação de metadados a um pedido judicial decidido em 72 horas, PS e PSD optaram por um regime que "em nada difere do que já existe da Lei do Cibercrime do "quick-freeze"".
"O que acontece com esta nova proposta de alteração é uma conservação para a frente, mediante uma autorização de uma autoridade judiciária. PS e PSD não alteram as normas que já existem no nosso ordenamento jurídico relativas ao acesso a dados de tráfego", criticou, falando numa "oportunidade perdida".
A líder parlamentar do PCP, Paula Santos, também criticou o texto do PS e PSD considerando que, apesar de condicionar a conservação dos metadados a uma autorização judicial, também "parece permitir que essa autorização possa ser pedida e dada para a conservação dos metadados relativos às comunicações de todos os cidadãos, indiscriminadamente", antecipando que será chumbada pelo TC.
O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, defendeu que a conservação generalizada dos metadados, prevista até agora na lei e no decreto aprovado em outubro pelo parlamento, afrontava "diretamente os pilares basilares do Estado de Direito", mas considerou que o texto negociado agora por PS e PSD é uma "formulação minimalista", que não "muda nada" face à Lei do Cibercrime.
Por sua vez, a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, disse acompanhar a proposta em discussão, mas considerou que "peca por tardia" e por ter sido elaborada "num debate à porta fechada entre PS e PSD".
Já o deputado único do Livre, Rui Tavares, lamentou que se tenha perdido "muito tempo" para chegar a esta solução, mas afirmou que a proposta do PS e PSD "são passos no caminho certo, que o Livre apoia".
O TC já tinha previamente considerado, em 12 de abril 2022, inconstitucionais normas da chamada Lei dos Metadados. Essa lei, de 2008, transpôs para o ordenamento jurídico nacional uma diretiva europeia de 2006 que entretanto o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida, em 2014.
Os metadados são dados de contexto que, sem revelarem o conteúdo das comunicações, permitem aferir, por exemplo, quem fez uma chamada, de que sítio, com que destinatário e durante quanto tempo.