O parlamento aprovou hoje, em votação final global, medidas a adotar pelas escolas para garantir o direito de crianças e jovens à autodeterminação da identidade de género e a proteção das suas características sexuais.
O texto final, relativo a projetos de lei apresentados por PS, BE e PAN, foi aprovado por estas forças políticas juntamente com o Livre, e contou com votos contra do PSD, Chega e IL e a abstenção do PCP.
De acordo com o texto, as escolas devem definir "canais de comunicação e deteção", identificando um responsável ou responsáveis "a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença".
Após ter conhecimento desta situação, a escola deve, em articulação com os pais, encarregados de educação ou com os representantes legais, promover a avaliação da situação, "com o objetivo de reunir toda a informação relevante para assegurar o apoio e acompanhamento e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança ou jovem".
As escolas terão também de garantir "que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos e tendo presente a sua vontade expressa, aceda às casas de banho e balneários, assegurando o bem-estar de todos, procedendo-se às adaptações que se considerem necessárias".
Este ponto do texto, que é o único que faz referência a casas de banho, tem gerado polémica e foi um dos mais abordados pelos deputados em declarações de voto orais feitas hoje no parlamento.
A deputada do PS Isabel Moreira frisou que estão em causa direitos humanos e fundamentais e salientou: "A privacidade dos jovens e crianças deve também ser protegida. Não se trata de uma casa de banho, mas de proteger essa privacidade no acesso aos vários espaços, e cada escola trata disso, pelo que nada na lei diz que cada criança e jovem entra onde quer".
Pelo BE, o líder parlamentar Pedro Filipe Soares disse ter votado a favor do texto "pelo amor" que tem pelos seus filhos e pelos dos outros, e contra "o ódio dos que querem promover na escola pública uma forma de guerra permanente contra os direitos das pessoas".
Na mesma linha, o deputado único do Livre, Rui Tavares, notou que na política há "mais dificuldade em falar de amor do que em ódio" e a parlamentar Inês Sousa Real, do PAN, também rejeitou uma "cultura do ódio".
Momentos antes, a deputada do Chega, Rita Matias, tinha-se insurgido contra o diploma, classificando-o como "política de retrete". Também o PSD, pela voz da deputada Emília Cerqueira, justificou o voto contra dizendo que não está em causa a preocupação com a discriminação de jovens e crianças.
"O que não somos é um partido que sobrepõe uma agenda a tudo e a todos, inclusive sem ter a preocupação de termos em conta a idade a que se dirige este tipo de medidas. (...) Temos de deixar as crianças serem crianças", disse a social-democrata.
O texto hoje aprovado estabelece ainda que as escolas devem emitir orientações no sentido de "fazer respeitar o direito da criança ou jovem a utilizar o nome auto atribuído em todas as atividades escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar", sem prejuízo de assegurar a "adequada identificação da pessoa através do seu documento de identificação" em situações como o ato de matrícula, exames ou outras situações similares.
Refere ainda, no que toca a vestuário, que as crianças devem poder escolher de acordo com a opção com que se identificam "nos casos em que existe a obrigação de vestir um uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo".
Devem também ser promovidas ações de formação dirigidas ao pessoal docente e não docente, em articulação com os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), "de forma a impulsionar práticas conducentes a alcançar o efetivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género, que permitam ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos discriminatórios".
Em causa está legislação para a autodeterminação da identidade de género nas escolas, depois do chumbo pelo Tribunal Constitucional, em 2021, da regulamentação pelo Governo deste tema, considerando que a matéria é competência exclusiva da Assembleia da República.