A comunidade de ex-emigrantes madeirenses na Venezuela está a enviar ajuda, sobretudo medicamentos, para os familiares e amigos que ficaram no país de Nicolás Maduro, que vive uma profundo crise económico, social e política.
Gilda Pereira, de 64 anos, regressou à Madeira há 14 anos, após quatro décadas na Venezuela. Em declarações à agência Lusa, conta que os irmãos, sobrinhos e cunhados sofrem com a falta de alimentos e medicamentos, mas que sobretudo se sentem inseguros. “Mando medicamentos para a tensão e diabetes, porque não podem passar sem eles e lá não há”, diz Gilda Pereira.
A ex-emigrante refere ainda que ajudar às vezes é difícil, dado que há sempre muitas encomendas feitas aos emigrantes de visita à região autónoma e podem haver fármacos confiscados no regresso à Venezuela. “Mas há sempre uma pessoa amiga que leva uma caixinha”, conta Gilda.
Olavo Manica, também ex-emigrante da Venezuela e responsável pelo Centro Social das Comunidades Madeirenses, considera que a falta “de medicamentos é crime” no Governo de Nicolás Maduro. Realça ainda que os familiares das pessoas que vêm de férias à Madeira apenas lhes pedem medicamentos, principalmente para o tratamento da hipertensão, diabetes e cancro.
Suborno por medicamentos
Olavo lamenta também a dificuldade de alguns medicamentos passarem na fronteira venezuelana e por isso as pessoas ou têm medo de os levar ou têm “de entregar algum dinheiro à parte para passarem”.
O Centro Social das Comunidades Madeirenses participou, em 2016, numa recolha de medicamentos promovida pela Venexos, Associação de Ajuda Humanitário ao Venezuelano. Nesta recolha, foram enviados 500 quilos de fármacos, dos quais 150 oriundos da Madeira.
Nataly Pestana, de 37 anos e origem venezuelana, reside na região autónoma há 15 anos e é representante da Venexos na Madeira. Afirma que como é impossível enviar por pessoa, os medicamentos são encaminhados “para três instituições venezuelanas”. Assegura ainda que os fármacos chegam ao destino e que as pessoas conseguem acedê-los mediante identificação e receita médica.
A representante da Venexos acrescenta que os medicamentos não “se destinam apenas aos emigrantes portugueses”, uma vez que não é apenas a comunidade portuguesa que está a passar um “mau bocado”.
Hélder Pestana, de 62 anos, viveu 34 na Venezuela e tenta também ajuda os familiares por correio. “A última vez que o fiz foi na semana passada”, conta Hélder sobre uma encomenda que mandou a um tio.
O ex-emigrante reconhece que o correio não é a forma mais segura, mas é “a única saída”. Enviar em mão não adianta, porque os emigrantes chegam à Madeira “já cheios de pedidos”. Por isso se a encomenda “chegar, chegou. Se não chegar, tento mandar outra vez”.
Venezuela. Um país à beira da ruptura
A Madeira é a região portuguesa mais representada na Venezuela. Cerca de 300 mil madeirenses estão a viver o caos relatado por estes testemunhos.
A tensão aumentou, bastante, nos últimos dias. O descontentamento com a situação no país está nas ruas das principais cidades e pelo menos 17 pessoas já morreram em confrontos.
Caracas é o epicentro dos protestos convocados pela oposição contra o Presidente Maduro, que também apelou aos seus apoiantes para se manifestarem.
As Forças Armadas foram chamadas pelo presidente com o objectivo de controlarem as manifestações.
A crise na Venezuela agravou-se nos últimos anos com a descida do valor do petróleo, o pilar fundamental da economia daquele país sul-americano. A taxa de inflação aumentou para 200% e a escassez de bens e alimentos é cada vez maior.
Quanto aos medicamentos, apenas 450 podem ser vendidos no país. Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela, pediu ajuda à ONU em Março deste ano, para tentar recuperar a capacidade productiva da indústria framacêutica nacional.
Para contornar a falta de alimentos nos supermercados locais e o contrabando, Maduro criou um sistema de distribuição de alimentos controlado pelos Comités Locais de Abastecimento e Produção (CLAP).
Além das comunidades mais pobres começarem a ter acesso a alimentos essenciais, como a farinha de milho, o arroz e óleo, os supermercados venezuelanos começaram a limitar os clientes. As filas e os assaltos aos supermercados aumentaram, dado que só tem acesso quem está inscrito nos CLAP ou nos conselhos comunais da zona. Actualmente, é proibido esperar a abertura dos supermercados para evitar tumultos.
O novo sistema de distribuição governamental não resolveu o problema da escassez de bens nas grandes cidades e nas regiões do interior. A 12 de Julho de 2016, o país abriu a fronteira com a Colômbia. Pelo menos 35 mil pessoas atravessaram para o outro lado à procura de todo o tipo de bens durante 12 horas.
A popularidade da oposição tem aumentado com o agravamento da crise. No fim de 2015, a oposição ganhou as eleições parlamentares e está a lutar por um referendo para afastar o actual Presidente.