A procuradora-geral da República defendeu esta sexta-feira que é preciso fazer "mais e melhor" no combate à violência doméstica, chamando a atenção para as crianças e negando que o judiciário seja o único responsável pelas falhas no sistema.
"Urge fazer mais e melhor, urge porventura fazer também diferente por forma a combater os elevados índices de violência que hoje pressentimos estarem presentes nos diversos domínios da nossa vida coletiva e de que a violência doméstica é manifestação", disse Lucília Gago, que falava no VII Seminário Violência Doméstica, organizado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e pelo Gabinete de Informação e Atendimento à Vítima (GIAV).
A procuradora-geral da República (PGR) chamou a atenção para as crianças e os jovens, defendendo que são necessárias "medidas preventivas estruturadas e consistentes" e que "a escola deve estar atenta aos sinais de violência de que a criança possa ser vítima".
"Os sinais de desproteção e de perigo das crianças e jovens desfilam sob os nossos olhos e não podem ser desconsiderados, como desconsiderados não podem ser os comportamentos violentos por si protagonizados", disse Lucília Gago.
A PGR alertou para o risco de estas crianças replicarem os comportamentos violentos de que foram vítimas e que presenciaram em contexto familiar desde muito novos, e de essa violência se manifestar mais tarde nas relações de namoro, seja na adolescência ou em adultos.
Lucília Gago aproveitou para dirigir-se diretamente aos magistrados do Ministério Público (MP), apontando que "exige-se dinamismo e acuidade quer na deteção dos sinais de vitimização e de perigo, quer na identificação de comportamentos juvenis" que possam ser demonstrativos de necessidades educativas.
Nessa matéria, defendeu que "é imperioso que a intervenção tutelar educativa deixe de ser o parente pobre da jurisdição de famílias e crianças" e disse contar com os magistrados do MP nesse "esforço coletivo", ao mesmo tempo que afirmou estar "fortemente empenhada na dinamização dessa intervenção" pelas suas potencialidades e pela dimensão preventiva associada.
No entanto, recusou que sejam atribuídas "ao judiciário as únicas ou principais responsabilidades das falhas do sistema, quer na dimensão da pressão criminal, quer na proteção da vítima".
Por outro lado, defendeu que o sistema judiciário também "não pode deixar de promover uma melhor articulação nem desprezar o conhecimento proporcionado pelas disciplinas da psicologia ou psiquiatria, abandonando o fechamento claustrofóbico do purismo do direito e da hermenêutica jurídica".
A PGR considerou que "é irrazoável equacionar a erradicação do fenómeno da violência doméstica sem investir forte e incisivamente na sua prevenção" e defendeu que tanto a violência doméstica como a violência de género precisam de uma abordagem técnica integrada.
Lucília Gago disse que haverá um "cenário desolador" se o número de mortes por violência doméstica mantiver o mesmo ritmo que teve até agora, contabilizando-se 14 pessoas em 2019, entre 11 mulheres, uma criança e dois homens.
Também presente no seminário, o diretor-nacional adjunto da Polícia Judiciária nomeou as 14 vítimas assassinadas este ano, apontando que não são números, mas pessoas com nomes.
Carlos Farinha destacou o papel "absolutamente essencial" da comunicação social para evitar efeitos miméticos negativos e sublinhou que é importante não confundir paixão com violência ou amor com violência doméstica.
"Quando temos uma vítima de violência doméstica, somos todos vítimas", alertou.