Um grupo de eurodeputados recebeu jornalistas esta semana, à margem do plenário que decorre em Estrasburgo. Questionados pela Renascença sobre as recentes e polémicas declarações de Lula da Silva, houve quem as declarasse como “trágicas” e “preocupantes” e quem preferisse falar sobre paz.
PS e a “resposta certa”
Em representação do Partido Socialista, Pedro Silva Pereira defendeu a reação do Governo e do primeiro-ministro, António Costa, garantindo que “assumir uma divergência com o Brasil na questão da Ucrânia” foi “a resposta correta”. “O Governo português acabou de mandar tanques para a Ucrânia. Portanto, não é preciso clarificar esta divergência. É evidente para toda a gente”, assegura.
Apesar disso, acredita que tal discordância não “deve prejudicar as relações diplomáticas” que o país tem com o Brasil.
PSD e as “declarações preocupantes”
Jose Manuel Fernandes, do PSD, é presidente da delegação europeia para as relações com a República Federativa do Brasil e confessa não ter ficado “muito surpreendido com as declarações de Lula da Silva”. Mesmo assim, considera-as “declarações preocupantes”, especialmente porque a ajuda europeia à Ucrânia garante que o país ainda não capitulou.
O social-democrata diz que esta é “uma guerra das ditaduras contra as democracias”, pelo que espera que Lula da Silva, no seu discurso no 25 de Abril em Portugal, “defenda a liberdade”.
“É a liberdade dos ucranianos que está em causa”, admite, assegurando que não podemos “ter gente que atue contra as suas próprias afirmações e até contra o seu passado”.
José Manuel Fernandes mostra-se, igualmente, preocupado com as consequências destas declarações. “Espero que isto não prejudique o Mercosul”, diz, acordo que é “importante para Portugal e para a União Europeia”.
“Estas declarações não podem prejudicar o relacionamento que temos com o Brasil”, reforça, com esperança que este vínculo entre os dois países ajude na “defesa da liberdade e dos valores europeus à escala global”.
BE e a “conversa sobre paz”
José Gusmão, do Bloco de Esquerda, foca-se na clarificação feita por Lula da Silva relativamente à “sua posição sobre o conflito na Ucrânia” porque, admite, este é um debate em que “qualquer coisa que digamos tem de ser feita depois de assumir um conjunto de pontos base”, sendo o primeiro deles a ideia de que “isto não é uma guerra que aconteceu do nada”.
“É uma guerra em que há um agressor e um agredido e eu fico muito satisfeito porque gerou indignação unânime nesta casa”, desabafa, relembrando o caso da invasão do Iraque.
Gusmão aproveitou a oportunidade para relembrar que a UE tem “estado a dar todas as formas de apoio à Ucrânia” porque, caso esta não tenha “capacidade de resistir”, “toda a conversa sobre paz é exatamente isso: conversa”.
PCP e a legitimidade das relações do Brasil
A paz também foi o principal enfoque do PCP, representado por João Pimenta Lopes, que acredita que o Brasil tem “legitimidade para estabelecer relações com quem entender”, à semelhança do que faz a Europa e os EUA que, “quando discutem com a China, não estão a pensar no Brasil”.
“Sobre as restantes declarações [de Lula] o que nos apraz dizer é que estão alinhadas com aquilo que é a necessidade imperativa de abrir a porta para uma via negociada com vista à paz”, diz.
CDS, a “NATO a la carte” e o “erro trágico” de Lula
Juntando a viagem de Lula da Silva à China e as suas declarações, acrescentando Taiwan, Nuno Melo, do CDS, defende que a Europa não pode estar “na NATO a la carte”, mas que isso não significa que o plano estratégico tenha de ser sempre limitado.
“Quando se subscreve um tratado e se assumem compromissos são para cumprir”, reitera.
Para Nuno Melo, “há um mundo que mudou” e temos de perceber esta “nova ordem mundial”.
“Até há pouco tempo, o que acontecia na velha Europa, nos Estados Unidos, era uma questão mundial e o que acontecia na Índia e na China era uma questão regional. Esses países já não validam essa doutrina e bem. Querem ser protagonistas no quadro geopolítico porque representam muita gente”, explana.
Falando especificamente da vinda de Lula da Silva ao Parlamento por ocasião das celebrações do 25 de Abril, Nuno Melo espera que o brasileiro, enquanto Presidente, seja “recebido com toda a dignidade em Portugal”, mas considera que a sua declaração foi “um erro trágico”, pois “alinha uma grande democracia com o pior das ditaduras”. “Neste ponto [da Ucrânia], Lula coloca-se ao lado de Salvini”, reitera, defendendo que o “Partido Socialista”, que “o convidou sem ouvir os outros”, o consiga chamar “à razão” e “explicar que a presença na Assembleia da República nesse dia é muito errada”.
Os silêncios que falam mais alto
O candidato independente Francisco Guerreiro, perante a extensão do debate - que se prolongou para lá do tempo estipulado e envolveu algum atrito sobre amendas -, e por uma questão “de respeito” pelo painel seguinte, fez apenas uma declaração breve, convidando os presentes a participarem de sessões que vai organizar com a participação do ex-candidato presidencial brasileiro Ciro Gomes, que falará em Estrasburgo e Lisboa brevemente.
Também tentamos questionar Roberta Metsola sobre as declarações de Lula da Silva, mas a presidente do Parlamento Europeu não respondeu à pergunta, preferindo aproveitar o momento para saudar o primeiro-ministro luxemburguês, convidado a discursar no hemiciclo, esta quarta-feira, que não se esqueceu de Portugal na conversa com os jornalistas.