Prémio António Champalimaud de Visão - o maior do mundo na área da visão - distingue este ano o St. John of Jerusalem Eye Hospital, que é o único hospital especializado em cuidados oftalmológicos nos territórios palestinianos e que, ao longo de 140 anos, tem tratado de milhões de pessoas que vivem na "região mais turbulenta do mundo": Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Ocidental.
Sem olhar à origem, religião, classe social ou capacidade financeira dos pacientes, o St John of Jerusalem Eye Hospital sobrevive num delicado equilíbrio entre a qualidade dos cuidados de saúde prestados e a diplomacia com que diariamente assegura, junto das autoridades israelitas e palestinianas, o acesso às suas instalações tanto a doentes como às próprias equipas médicas.
O CEO do hospital, Ahmad Ma Ali, explica à Renascença que a maior dificuldade é assegurar a mobilidade das pessoas, num quadro de enormes restrições de segurança e destaca que a taxa de cegueira na Palestina é 10 vezes superior à que é registada no mundo ocidental.
Ahmad Ma Ali ainda está "em choque" com a noticia de que o seu hospital foi distinguido com o maior prémio do mundo na área da visão.
"Basicamente, este anúncio foi uma surpresa para nós. Ainda estamos em choque, mas da forma mais positiva possível. Acredito que recebemos este prémio porque lutamos contra a cegueira há mais de 140 anos na região mais turbulenta do mundo, e sem estabelecer qualquer distinção entre religiões, grupos sociais ou a capacidade de pagarem os nossos cuidados", justifica.
"O facto de estarmos lá e cuidarmos das pessoas, apesar de todos os desafios, é a principal razão pela qual fomos selecionados e agraciados com este prestigiado prémio, que é o maior prémio relacionado com a visão em todo o mundo".
"Tentamos manter excelentes relações com ambas as partes"
Ahmad Ma Ali afirma que tentam ser "apolíticos", mas ressalva que todos são "afetados pela política e pela situação de segurança".
"O acesso dos pacientes aos cuidados de visão nem sempre é possível e, às vezes, é difícil também para a equipa médica chegar ao hospital. A situação em Jerusalém não é de todo linear, é uma situação que muda de vez em quando", destaca.
Segundo o CEO, "sempre que há tensões, alguns pacientes não conseguem chegar ao hospital". Apesar de atuarem numa zona de conflitos tentam assegurar boas relações com as duas partes do conflito.
"Tentamos manter excelentes relações com ambas as partes. Trabalhamos em estreita colaboração com as autoridades israelitas para permitir que a nossa equipa e os nossos pacientes se desloquem. Também trabalhamos com a Autoridade Palestiniana, que nos envia os seus pacientes (...). Se a nossa equipa tem que atravessar a fronteira para Gaza, é necessário ter uma boa ligação com as autoridades militares israelitas para o conseguir".
Questionado sobre se o facto de um paciente ser palestiniano ou israelita tem algum relevo na hora de tratar um paciente, o CEO responde prontamente que "a missão é tratar de todos independentemente da raça, religião, classe social ou capacidade financeira".
"Encorajamos todos a procurarem nossa ajuda. Tratamos pacientes israelitas, tratamos muçulmanos palestinianos, tratamos cristãos palestinianos, qualquer pessoa que precise do hospital, independentemente da sua religião, classe social ou capacidade de pagamento podem vir e terão o mesmo nível e qualidade de cuidados... Não importa de onde vêm", garante.
Cegueira na Palestina é 10 vezes maior do que no ocidente
Um recente estudo epidemiológico demonstra que a taxa de invisuais na Palestina chega a ser 10 vezes superior aos países do ocidente. Ahmad Ma Ali admite que o principal fator é a diabetes, que afeta 15% a 20% da população: "Como sabe, a diabetes afeta a retina e pode causar cegueira irreversível".
Mas esta não é a única explicação, segundo explica o CEO do St John of Jerusalem Eye Hospital, a par da elevada prevalência da diabetes, há um outro fator relevante: a consanguinidade.
"A consanguinidade, o casamento entre parentes próximos, também conduz a doenças oculares hereditárias. É algo que estamos a tentar mudar, num trabalho árduo junto da comunidade", explica.
Por último, acrescenta, que "quando as pessoas são economicamente desfavorecidas, não costumam procurar cuidados médicos" e essa "dificuldade de acesso também atrasa a procura de tratamento. Por vezes, os pacientes só procuram ajuda quando já é tarde demais para fazer qualquer coisa".