Uma das questões mais incómodas para a campanha de Hillary Clinton à presidência dos Estados Unidos teve um desfecho favorável à candidata.
A Comissão de Investigação da Câmara de Representantes aos acontecimentos de Benghazi, na Líbia, divulgou o seu relatório final após dois anos de averiguações e sete milhões de dólares de despesas. E nas 800 páginas do relatório não há qualquer acusação concreta ao comportamento de Clinton que possa ser interpretada como infracção à lei ou transgressão.
Estava em causa a sua actuação enquanto secretária de Estado durante os trágicos acontecimentos na cidade de Benghazi, em Setembro de 2012, onde morreram quatro americanos, incluindo o então embaixador naquele país Christopher Stevens.
Um ataque inesperado a instalações usadas pelos EUA na cidade líbia onde um ano antes tinha rebentado a revolta contra o ditador Kadhaffi, na sequência de uma manifestação promovida por milícias locais, resultou numa acção terrorista que destruiu o complexo utilizado por agentes da CIA e outros responsáveis americanos na cidade, que o embaixador Stevens então visitava.
O inquérito parlamentar da Câmara de Representantes visava averiguar as responsabilidades da administração Obama, em geral, e do Departamento de Estado, em particular, na (falta de) protecção aos americanos em Benghazi, mas rapidamente degenerou numa violenta querela partidária.
Impulsionado pela maioria republicana na Câmara, o inquérito foi interpretado pelos democratas como politicamente orientado para embaraçar a candidata Hillary Clinton, que enquanto secretária de Estado era a principal responsável pela segurança do pessoal diplomático no estrangeiro.
Antes de mais porque, além da investigação do Departamento de Estado, já tinham sido feitos sete inquéritos a Benghazi, todos da responsabilidade do Congresso, conduzidos por diferentes comissões.
Depois porque um congressista republicano, num desabafo embaraçoso, gabou-se de Hillary estar a descer nas sondagens desde que o inquérito tinha sido lançado, numa admissão de que o objectivo desta última investigação era mesmo causar danos políticos à candidata adversária. Um desabafo que o levou a perder a corrida para “speaker” da Câmara de Representantes, cargo que acabou por ser ocupado por Paul Ryan.
Mas a verdade é que durante dois anos o inquérito seguiu os seus trâmites, tendo a comissão ouvido centenas de pessoas e recolhido informação exaustiva sobre os acontecimentos na cidade líbia. A própria Hillary Clinton compareceu perante a comissão em Outubro passado, já depois de ter anunciado a sua candidatura à Casa Branca, para um interrogatório que durou cerca de nove horas.
As conclusões, porém, não diferem substancialmente das dos anteriores inquéritos e coincidem mesmo no essencial: que as instalações de Benghazi eram inseguras; que não havia forças militares suficientemente próximas para chegar a Benghazi a tempo de evitar a tragédia; que as forças que foram alertadas estavam estacionadas na Europa e ainda não tinham descolado quando o ataque estava consumado e os responsáveis americanos mortos.
São muito críticas em relação à lentidão com que a administração actuou e à falta de preparação de alguns funcionários para lidar com a emergência, assim como ao facto de não haver forças militares na região em condições de agir atempadamente. Mas não apontam para nenhum mau comportamento ou abandono do dever por parte de qualquer responsável da administração.
Divergências na comissão
Quanto à actuação de Hillary Clinton enquanto secretária de Estado, o inquérito não concluiu nada que possa ser embaraçoso para a candidata, que escapou a qualquer acusação de infracção à lei ou transgressão. Mesmo assim, a controvérsia estalou dentro da própria comissão de inquérito e não apenas entre republicanos e democratas.
Enquanto os democratas elaboraram as suas próprias conclusões, que divulgaram algumas horas antes das conclusões oficiais, dois congressistas republicanos fizeram o mesmo e redigiram o seu próprio relatório divergente do oficial. A comissão viu-se assim desautorizada por vários dos seus membros, retirando ainda mais credibilidade a este inquérito tardio.
No essencial, os democratas garantem que Hillary Clinton fez tudo que estava ao seu alcance para ir em socorro dos americanos em Benghazi, enquanto os dois congressistas republicanos a acusam de actuação “moralmente repreensiva”. Uma expressão que está ausente do inquérito oficial.
Quatro anos após os trágicos acontecimentos, que ocorreram também em pleno ciclo eleitoral – pouco antes da reeleição de Obama –, Hillary Clinton parece assim liberta de mais uma suspeita que pendia sobre a sua carreira política. Ao reagir ao fim do inquérito, disse que ele tinha assumido uma “coloração partidária”, mas que era tempo de “passar adiante”.
Adiante, contudo, há ainda um outro inquérito que lhe pode trazer grandes dissabores. Trata-se da investigação do FBI à utilização de um servidor privado em sua casa em substituição do Departamento de Estado. Algo que foi descoberto justamente no âmbito dos inquéritos a Benghazi e que pode envolver uma acusação de conduta criminal.