Lídia Pereira reconhece que a Europa tem que fazer mais para envolver o sector privado no desenvolvimento das tecnologias limpas. A eurodeputada eleita pelo PSD destaca a necessidade da União Europeia ser coerente nas suas posições, sobretudo quando olha para a estratégia da China.
Como relatora do Parlamento Europeu para a COP28, qual é a posição que o Parlamento Europeu leva esta Conferência do Clima?
É importante sublinhar a importância do balanço global das emissões que vai acontecer no Dubai. Trata-se da aferição daquilo que todos os países que assinaram o Acordo de Paris estão a fazer como resultado desse esforço para a redução de emissões.
O Parlamento Europeu volta a ter aqui uma posição ambiciosa e pede para que possamos terminar com os subsídios diretos e indiretos aos combustíveis fósseis, a nível nacional, europeu e internacional o mais cedo possível e, se possível, em 2025. É uma posição bastante ambiciosa, mas não podemos exigir aquilo que não conseguimos cumprir. O ideal, sendo o mais cedo possível, seria até 2025, mas tentamos acomodar aqui a realidade do acesso às fontes de energia na União Europeia.
O Parlamento pede também a capacidade de triplicarmos o objetivo de energia renovável e duplicarmos a eficiência energética pelo menos até 2030, fazendo em paralelo um “phasing out” dos combustíveis fósseis, abandonando-os o mais rapidamente possível.
É óbvio que o Parlamento Europeu quer que os países desenvolvidos continuem a ajudar os países em desenvolvimento.
"O Parlamento pede também a capacidade de triplicarmos o objetivo de energia renovável e duplicarmos a eficiência energética pelo menos até 2030."
Daí a importância de conseguirmos atingir o objetivo de 100 mil milhões de euros com o Fundo Para Danos e Perdas, que tem sobretudo impacto nos países mais vulneráveis às alterações climáticas. É preciso dizer que muitas das alterações climáticas já hoje verificadas em várias geografias do mundo são irreversíveis e, portanto, é preciso ter a capacidade de ajudar e apoiar esses países.
No primeiro dia da COP28 foi anunciado no Dubai um acordo para operacionalizar esse Fundo De Perdas e Danos. O fundo será coordenado pelo Banco Mundial durante os próximos quatro anos e alguns países, como a Alemanha ou até os próprios Emirados Árabes Unidos, já avançaram com contributos voluntários de 100 milhões de dólares de cada um destes países. Mas a meta é de 100 mil milhões por ano até 2030 e os países mais ricos não têm contribuições obrigatórias. Isto para si é uma boa notícia, apesar de tudo?
É importante não perdermos de vista o facto de haver um acordo. Sabemos que há sempre interesses nacionais envolvidos neste tipo de negociações e, portanto, creio que o acordo é já de si positivo.
Um dos aspetos que tem falhado é a consequência dos acordos e, portanto, vejo com bons olhos o que foi alcançado. Há sempre margem para se fazer mais, mas a minha grande preocupação é, de facto, o cumprimento desse acordo. Sabemos que o relógio não para e era importante que houvesse esse compromisso dos países de assumir apoios aos países em desenvolvimento.
A União Europeia está em condições de cumprir aquilo que exige também na COP 28, ao nível da eliminação dos combustíveis fósseis?
É importante sublinhar que a União Europeia é o bloco geográfico que mais tem feito no combate às alterações climáticas. Ao longo destes últimos 4 anos foi aprovada muita legislação no Parlamento Europeu para dar resposta à ambição do Pacto Ecológico Europeu e da Lei Europeia do Clima, que se consubstancia no pacote legislativo “Fit For 55”.
Houve avaliações de impacto de toda a legislação aprovada pela União Europeia que nos permitem dizer que estamos em condições de cumprir com a redução das emissões de CO2. Sabemos que não é possível apenas recorrer à mitigação. É preciso também remover o carbono da atmosfera e ainda na semana passada, no plenário de Estrasburgo, foi aprovado um relatório no qual fui relatora que precisamente abre a porta a um mercado de créditos de carbono que ajudará a incentivar o desenvolvimento de tecnologias em várias atividades dos vários setores económicos, para que a remoção de carbono possa ajudar a União Europeia no cumprimento das metas da neutralidade carbónica.
Sabemos que não é um exercício fácil, mas é importante explicar que somos responsáveis por uma percentagem bastante mais baixa de emissões de CO2
A União Europeia tem sido capaz de passar de um modelo de economia linear para uma economia circular. A legislação e a forma como temos lidado com o problema servem de instrumento diplomático e negocial, mostrando ao resto do mundo que é possível lutarmos contra as alterações climáticas e por um ambiente e um planeta mais sustentável.
A União Europeia pode ir mais além nos seus compromissos de financiamento climático?
No financiamento climático da transição dentro das fronteiras da União Europeia de facto podemos ir sempre mais além. E o mesmo se passa para o financiamento dirigido aos países em desenvolvimento.
"A União Europeia tem sido capaz de passar de um modelo de economia linear para uma economia circular."
É algo que cabe às instituições europeias e aos governos, mas não podemos esquecer que há aqui uma grande importância do setor privado, nomeadamente no que diz respeito ao desenvolvimento de tecnologias limpas.
A União Europeia tem de facto um grande conhecimento tecnológico, mas tem dificuldades na capacidade de se expandir no domínio das tecnologias limpas. É necessário encontrar aqui o equilíbrio e acabarmos com os obstáculos que existem no que diz respeito ao financiamento privado.
Do ponto de vista do financiamento público, podemos ir sempre mais além, mas temos que garantir que há crescimento económico para conseguirmos financiar e investir nos vários domínios da mitigação e adaptação às alterações climáticas.
Por outro lado, temos de trazer também o setor privado para o desenvolvimento de inovação e tecnologia que permita continuar o processo de cumprimento da neutralidade carbónica em 2050.
Em matéria de crescimento económico, há quem coloque sempre a dúvida sobre se os outros blocos regionais, não sendo tão ambiciosos em termos climáticos como a União Europeia, acabam por tirar benefício económico de tudo isso.
Há aqui uma questão geopolítica que tem a ver, por exemplo, com a relação da União Europeia com a China. Não faz sentido estarmos a advogar e a legislar a descarbonização e a criarmos muitas vezes algumas dificuldades na adaptação das empresas a essa legislação, quando depois andamos a comprar baterias para carros elétricos em países como a China, que estão a investir novamente na abertura de centrais a carvão. Isto no fundo é um certo “greenwashing” em que a própria União Europeia cai , quando quer combater esse mesmo fenómeno.
Tem de haver credibilidade da União Europeia tanto no discurso como na ação e isso também se traduz depois nas relações económicas com os outros países.
É muito importante avaliar a forma como a União Europeia está de facto a executar a descarbonização.
Recentemente foi anunciada a abertura de uma investigação da Comissão Europeia, sobretudo sobre a indústria automóvel e as práticas concorrenciais de países como a China.
Pequim tem dito que é líder dos países em desenvolvimento, mas em emissões de CO2 per capita, a China está hoje ao nível dos países desenvolvidos e, portanto, é necessário um compromisso muito claro da China neste fórum.
"É muito importante avaliar a forma como a União Europeia está de facto a executar a descarbonização."
Não podemos também esquecer que há um contexto geopolítico de tensão, com uma guerra às portas da Europa e outra no Médio Oriente. Isso pode ter alguma influência nos resultados mais tímidos que esta COP28 poderá vir a ter.
Em sua opinião, que posições deveria Portugal levar à COP28?
Portugal faz-se também representar através da União Europeia. Uma das questões que tem corrido mal a Portugal são por exemplo as nossas metas de reciclagem. Há muitas coisas que Portugal pode fazer, nomeadamente no que diz respeito aos oceanos.
Houve uma conferência dos oceanos em Lisboa há não muito tempo e que infelizmente passou algo despercebida. E se não tivermos oceanos saudáveis, não teremos um planeta saudável. Uma prioridade para Portugal seria a discussão sobre a importância dos oceanos no equilíbrio para conseguirmos atingir as metas até 2050.