Tensão entre China e EUA pode significar uma mudança de paradigma nas redes sociais?
20-03-2023 - 06:18
 • André Alves

Ao aceder-se a dados de milhões de pessoas é importante refletir-se sobre o compromisso que as marcas têm de ter na proteção destes dados. Se por um lado estes podem ser usados, consciente ou inconscientemente, com a melhor das intenções, por outro podem ter finalidades menos éticas ou claras.

De há uns anos para cá, a expressão globalização faz parte do nosso dia a dia. Nunca fez tanto sentido pensar no mundo como uma aldeia global que liga indivíduos através das novas tecnologias da comunicação que crescem exacerbadamente face à dimensão do nosso planeta, como defendia o filósofo Marshall McLuhan.

Este efeito de aldeia global vive-se em todos os cantos do mundo e em todos os setores da sociedade. É de destacar o particular contributo que canais como as redes sociais têm para este efeito, dado que contribuem ativamente para a proximidade entre pessoas à distância de um login.

As vantagens já sabemos que são mais que muitas, contudo, nos últimos tempos, temos vivido tempos conturbados que nos obrigam a refletir sobre as suas desvantagens.

O último caso que surgiu é protagonizado pelos Estados Unidos da América e pela China e envolve a rede social TikTok. Para os mais desatentos, falamos de uma rede social que acolhe vídeos curtos realizados pelos seus utilizadores e que na pandemia cresceu exponencialmente.

Interessa-me analisar este caso na ótica do marketing e dos seus consumidores, mais do que as questões geopolíticas que podem estar aqui presentes e que tornam esta reflexão uma tarefa mais árdua.

Quando se refere a importância e os benefícios das redes sociais para uma determinada organização, é importante compreender que uma das suas vantagens competitivas é a quantidade de informação que esta tem sobre o seu consumidor.

Esta informação é convertida em dados que não só trazem a si a capacidade de campanhas pagas que originam ainda mais negócio, como também permitem um nível de segmentação que no passado era uma mera ilusão. Por exemplo, sabe-se os interesses, a localização, a idade, ou até mesmo os padrões de consumo dos utilizadores.

Contudo, ao aceder-se a esta quantidade de dados de milhões de pessoas é importante refletir-se sobre o compromisso que as marcas têm de ter na proteção destes dados. Se por um lado estes podem ser usados, consciente ou inconscientemente, com a melhor das intenções, por outro podem ter finalidades menos éticas ou claras.

Ora, um exemplo claro deste uso inapropriado de dados é o uso dos dados provenientes do TikTok que é de propriedade chinesa. São mais do que conhecidas as tensões entre os Estados Unidos da América e a China, e sobre esse tema há certamente outros autores que escrevem com muito mais propriedade.

O que se pretende explorar nesta minha análise, é identificar qual a consequência para uma organização e para os elementos de uma sociedade que um desentendimento entre dois países possa desencadear a proibição e consequente ilegalização de uma rede social?

Esta pergunta força a contextualização necessária para a sua total compreensão. Nos últimos tempos foi proibida a utilização do TikTok a todos os colaboradores da Comissão Europeia, do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu e da Casa Branca. Foi também votado favoravelmente pela comissão dos negócios estrangeiros da Câmara dos Representantes nos EUA a aprovação do projeto de lei que permite ao Presidente Joe Biden proibir o TikTok e outras aplicações de propriedade chinesa.


O fundamento para esta decisão, alegadamente, prende-se com a aquisição de dados dos utilizadores que estão a ser transmitidos sem o seu consentimento ao Governo chinês o que, aos olhos de alguns líderes mundiais, representa uma ameaça à segurança nacional.

Mais do que apenas um vídeo, estes conteúdos conseguem captar e transmitir outras informações que ao olhar dos mais desatentos seriam pouco relevantes, mas, para os detalhistas, a informação poderia ser de extrema relevância.

O busílis da questão é o consentimento, que como todos sabemos tem de ser expresso, e que não acontecendo torna o uso dos dados para qualquer finalidade, ilícito. Esta decisão, além de revogar os direitos dos cidadãos de ter acesso ao TikTok, também tem as suas ramificações nas organizações.

Ora vejamos, esta rede social conta com mais de mil milhões de utilizadores ativos mensalmente em mais de 150 países. A publicidade que pode surgir nesta dimensão é vital para algumas marcas que apostam neste canal como fonte de vantagem competitiva.

O tipo de conteúdos que são partilhados vão desde vídeos de carácter lúdico sem razão de criação aparente, a conteúdos de solidariedade social, respeito pela dignidade humana e entre ajuda, alguns deles bastante comoventes. Um exemplo é a história comovente de um escritor, de seu nome Lloyd Devereux Richards, que há mais de uma década lançou um livro que não conseguir atingir as vendas necessárias. A sua filha, nunca tentativa de o ajudar, publicou um vídeo sobre a história do pai recorrendo a algumas imagens deste a trabalhar afincadamente no seu livro. O resultado foi um vídeo que se tornou viral, transformando o livro, outrora sem sucesso, num best-seller número 1 da Amazon.

A capacidade que esta rede e tantas outras têm, são inigualáveis neste admirável mundo novo. Precisamos delas, como precisamos dos dispositivos móveis, que são hoje a extensão do nosso corpo.

Podemos tentar negar, mas a realidade é que já não existe o mundo como o conhecemos sem estas plataformas. Será que vão continuar a surgir outras manifestações de interesse que coloquem em causa o mundo como o conhecemos? Será que tem de se repensar o trade-off entre as vantagens das redes sociais e a nossa segurança, que também é indispensável à nossa sobrevivência? Será que esta indignação dos EUA aconteceria se o dono do TikTok fosse de um outro país que não a China?

As respostas a estas perguntas podem surgir nos próximos tempos, como se de um outro episódio se tratasse desta aclamada série que é viver num mundo contemporâneo, populado por tecnologia, informação e rapidez. Esperemos, impacientemente, pelo próximo episódio!


André Alves é Diretor Adjunto de Marketing da Católica Lisbon Business School & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics