O PS e a deputada do CDS-PP Cecília Meireles evocaram esta quinta-feira as regras do Estado de Direito para justificar o chumbo à audição parlamentar de Rui Pinto na comissão de inquérito ao Novo Banco.
De acordo com a declaração de voto do PS, a que a Lusa teve acesso, "a defesa da legalidade na obtenção de prova é, para o Partido Socialista, um princípio fundamental de que não abdica, porquanto a inscrição de tal princípio na Constituição decorre precisamente da necessidade de garantir que em momento algum se pode legitimar a intromissão abusiva dos poderes públicos no núcleo fundamental dos direitos e liberdades dos cidadãos".
Para o PS, "o regime jurídico dos meios de obtenção de prova e os seus limites decorrem de princípios fundamentais constitucionais, estruturantes do Estado de direito democrático".
A audição de Rui Pinto, criador dos 'Football Leaks' e arguido no caso com o mesmo nome, foi esta quinta-feira chumbada na comissão de inquérito ao Novo Banco, depois de dois empates na votação, o que à segunda significa chumbo.
Na votação esta quinta-feira efetuada na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, os deputados do PSD, BE, PCP e PAN votaram a favor, João Cotrim de Figueiredo (IL) absteve-se e PS e CDS-PP votaram contra.
"Mal seria, por isso, que, neste contexto, a Assembleia da República admitisse utilizar, no âmbito dos seus trabalhos, prova que não tenha sido produzida de acordo com os princípios que a Constituição da República a todos obriga", consideram os socialistas.
Para o PS, o debate em torno da possível audição a Rui Pinto "deixou claro, aliás, que os diversos grupos parlamentares têm consciência da possível ilicitude das provas que possam estar na posse do cidadão", o que obrigaria ao envio das declarações ao Ministério Público "e a sua não utilização" pelos deputados, "o que sempre tornaria inútil tal audição".
O PS refere ainda que "não é conhecida qualquer ligação do cidadão Rui Pinto ao objeto" da comissão de inquérito, que "está sujeita aos princípios que estruturam o Direito Processual Penal, em particular no que respeita à prova testemunhal e aos meios de obtenção de prova".
Também a deputada do CDS-PP Cecília Meireles considerou, na sua declaração de voto, a que a Lusa teve acesso, que "não há nenhum Estado de direito no mundo sem processo penal", entendendo que essa é "a essência" da discussão em torno da audição a Rui Pinto.
A deputada justificou esta quinta-feira o voto contra a audição parlamentar a Rui Pinto também por entender que os fins não justificam os meios.
"A descoberta de factos é um pressuposto da realização da justiça e que o processo judicial não pode ser de tal maneira tecnocrático ou garantístico que impeça na prática a realização do seu fim", afirmou, defendendo, por outro lado, que "isso não significa que o fim justifica quaisquer meios".
Cecília Meireles realçou que "não é afirmada nem remotamente conhecida nenhuma ligação" de Rui Pinto com o BES, GES ou BES Angola, não tendo sido também "apontada sequer como possibilidade qualquer forma lícita de obtenção de informação relevante" por parte do criador do 'Football Leaks'.
Cecília Meireles vincou também o caráter individual da sua votação.
"Foi uma decisão tomada de acordo com a minha consciência e a minha convicção individuais", pode ler-se na declaração de voto.
A parlamentar do CDS eleita pelo círculo do Porto entende também que caso Rui Pinto fosse ouvido ficaria "a porta aberta para qualquer tipo de abuso".
"A linha que esta quinta-feira aqui discutimos é uma linha que não se passa, e é aquela o totalitarismo da democracia", defendeu, estando em causa, no seu entender, "exatamente a mesma diferença que separa o julgamento por multidões na praça pública do julgamento em tribunais com um processo justo".
Rui Pinto realçou esta quinta-feira o "significado político" da rejeição da sua audição na comissão de inquérito ao Novo Banco e atacou a posição do PS e da deputada Cecília Meireles, acusando-a de se substituir aos tribunais e de violar a sua presunção de inocência.
Na sua conta na rede social Twitter, Rui Pinto tem publicado, ao longo do último mês, mensagens acerca do BES, da Prébuild (grande devedora do Novo Banco) ou ainda acerca da audição de Luís Filipe Vieira (presidente da Promovalor e do Benfica) no parlamento, questionando-se sobre se "alguns elementos da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] não querem saber" o que tem para dizer.
O julgamento do processo Football Leaks prossegue no próximo dia 24 de junho. Paralelamente, o advogado de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota, disse ao coletivo de juízes, presidido por Margarida Alves, que o arguido vai prestar declarações no julgamento, após a inquirição das testemunhas e antes da fase de alegações finais.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 7 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.