“Não é obrigatório que o Natal se comemore na ceia de Natal. Pode comemorar-se, por um momento de exceção, num almoço de Natal, na véspera do dia de Natal. Não há nada que o impeça” – Rui Portugal, atual subdiretor-geral da Saúde, foi motivo de muito humor com os seus avisos sobre como celebrar o Natal.
Pouco mais se viu ou ouviu dele depois disso, mas o princípio do “nada obriga” parece ter feito escola. E aplica-se às regras sobre testes, que demoraram mais de duas semanas a entrar em vigor, entre normas que substituem normas e meias verdades que substituem a clareza tão necessária nestes tempos.
“Não podemos deixar cair o número de testes, mesmo que a pandemia pareça, em termos de procura, exigir menos testes, temos de intensificar o esforço do lado da oferta”, disse a ministra da Saúde, Marta Temido, no dia 8 de fevereiro, anunciando que ainda nesse dia haveria novas normas da Direção Geral da Saúde sobre testagem.
As normas não saíram naquela segunda-feira e nos dois dias seguintes até o primeiro-ministro pressionou a DGS para a alteração das normas sobre testes e rastreios.
A norma sobre “testes laboratoriais, diagnóstico e rastreios” acabou por sair no dia 11, com aviso de que entraria em vigor no dia 15.
Passada uma semana dessa entrada em vigor, a Renascença fez um balanço e os testes estavam a cair para metade num dos principais grupos privados. "Em janeiro chegámos a fazer, no conjunto de públicos, académicos e privados – os privados, como sabe, fazem metade dos testes do país – aos 70 ou 77 mil. Eu cheguei a ter dias de 10.400 testes por dia. Na primeira semana de fevereiro, começaram a baixar e na segunda semana de fevereiro também. Portanto, na semana que passou, eu estou com 4.000 testes por dia. Mas não sou só eu, o total anda pelos 30 mil", afirmou o médico Germano de Sousa.
Questionada sobre a diminuição dos testes, Marta Temido justificou: afinal as normas publicadas só entravam em vigor às 00h de dia 23. Verdade? Sim, mas também não. Ou, melhor, não, mas também talvez.
Há, de facto, uma norma da DGS de dia 19 relativa a “rastreio de contactos” , que só produz efeitos a partir das 00h00 de dia 23. Mas no que diz respeito a testes, essa norma basicamente repete as orientações da norma dos testes e quando muito especifica procedimentos e definições.
No que diz respeito aos testes, a norma entrou em vigor a 15 e parece estar lá tudo. “Para o diagnóstico de Covid-19 em contactos de baixo risco com caso confirmado Covid-19, nos termos da Norma 015/2020 da DGS, devem ser utilizados os seguintes testes laboratoriais: c. Teste molecular (TAAN) realizado o mais precocemente possível e até ao 5.º dia após a exposição; d. Se o teste molecular não estiver disponível ou não permitir a obtenção do resultado em menos de 24 horas, deve ser utilizado um teste rápido de antigénio (TRAg);”, lê-se no número 11.
“Em situação de cluster e surto (como, por exemplo, escolas, estabelecimentos de ensino, Estruturas Residenciais Para Idosos (ERPI) e instituições similares/fechadas) deve ser realizado, preferencialmente, um teste rápido de antigénio (TRAg) a todos os contactos de alto e baixo risco, sob a coordenação das Equipas de Saúde Pública, em articulação intersectorial com os parceiros municipais, ou outras”, continua no número 12.
“Para o controlo da transmissão comunitária devem ser realizados rastreios laboratoriais regulares nos concelhos com incidência cumulativa a 14 dias superior a 480/100.000 habitantes, nos seguintes contextos: a. Nos estabelecimentos de ensino com estudantes do ensino secundário, aos alunos, pessoal docente e não docente; b. Nos estabelecimentos prisionais aos reclusos e profissionais; c. Nos contextos ocupacionais de elevada exposição social (nomeadamente, fábricas, construção civil, entre outros) aos respetivos profissionais.”, prossegue o número 13.
Com tudo isto já definido e em vigor, então o que faltava? Aparentemente nada. E a própria ministra, nas declarações que fez acabou por identificar o ‘culpado’: o algoritmo.
“As normas da DGS, tendo sido publicadas, só à meia noite entram em vigor” devido à “necessidade de. ao nível do SNS24 parametrizar os algoritmos de encaminhamento da linha e saúde 24 para que, não só quem seja classificado como contacto de alto risco, mas também todos os outros contactos de um caso confirmado, independente do nível de risco, tenham uma requisição para a realização de um teste”, disse Marta Temido.
“A norma de facto mudou, mas a sua entrada em vigor por razões técnicas dos serviços de informação, só acontece à meia-noite”, acrescentou.
Complicado? Bastante. Demorado? Demasiado.
Entre o momento em que a ministra disse publicamente que era preciso mudar as regras para a realização de testes e a entrada em vigor passaram duas semanas.
E até que a prática chegue ao terreno, ainda teremos de ver quanto tempo demora.
Afinal, nada obriga que uma norma que entrava em vigor a 15, afinal, entre em vigor só a 23 ou, então, quando o algoritmo o permitir.