Entre 2012 e 2021 foram enviados pela Câmara de Lisboa para embaixadas e consulados um total de 180 avisos de manifestações sem que houvesse em algum momento a mínima preocupação de expurgo de dados pessoais contantes desses avisos.
A embaixada da Rússia foi a que recebeu mais avisos, num total de 27, seguindo-se as de Israel e de Angola, com nove cada uma. São dados da do relatório preliminar de auditoria interna aos processos de comunicação prévia/aviso para a realização de manifestações no município de Lisboa.
“Foi entendido pelos trabalhadores responsáveis que geriam a receção e encaminhamento destas comunicações, que o aviso a remeter era o documento recebido na sua versão integral, não sendo necessário promover qualquer diligência adicional, pelo que na correspondência encaminhada nunca foi realizada qualquer operação de expurgo dos dados pessoais”, lê-se no relatório a que a Renascença teve acesso. Uma parte destas conclusões já tinha sido divulgada pelo presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que é ouvido esta quinta-feira no Parlamento sobre o caso dos dados de manifestantes enviados à Embaixada da Rússia.
O mesmo relatório mostra que o procedimento de avisos de manifestação não foi analisado em 2019 quando a Câmara nomeou equipas e até contratou uma empresa para avaliar a aplicação do regulamento geral de proteção de dados. “De acordo com a análise efetuada pôde constatar-se que o procedimento de receção e encaminhamento dos avisos de Manifestação não foi um dos processos identificados pelos interlocutores da Secretária-geral aquando do levantamento levado a cabo pela Equipa de Projeto e pela empresa consultora contratada para o efeito (LCG), pelo que não foi objeto de análise. Consequentemente, não foram identificadas as fragilidades/desconformidades nem levantados os pontos de melhoria, não tendo o procedimento ora em apreciação sofrido qualquer alteração até abril de 2021, na sequência do processo que despoletou a presente auditoria”, identifica o relatório.
Em entrevista à Renascença e ao Público, Fernando Medina desmente que tenha sido negado ao encarregado da proteção de dados da Câmara o acesso ao Gabinete de Apoio ao Presidente por onde passavam os procedimentos relativos às manifestações.
Desde 2012, “a prática seguida pelo Gabinete de Apoio ao Presidente foi o envio das comunicações de manifestação rececionadas para o Ministério da Administração Interna, para a PSP e ainda para as entidades onde se realizariam as mesmas, na sequência de uma definição de procedimento que terá envolvido – em termos que não foi possível apurar em profundidade – a Secretaria Geral do Governo Civil, bem como a Polícia de Segurança Pública”. O entendimento dos colaboradores da Câmara foi que também deveriam enviar os dados para as entidades juntos das quais decorreria a manifestação. E, a partir de 2028, sem que o relatório consiga determinar a razão, os dados passaram a ser enviados também para as entidades visadas pela manifestação, mesmo quando o protesto não se realizava junto dessas entidades.
“Sem prejuízo de não se ter encontrado qualquer ordem superior a determinar a alteração do procedimento, o núcleo do Gabinete de Apoio ao Presidente passou a adotar a prática de remeter o aviso não só para outras entidades de acordo com a localização da realização da manifestação, mas também para as entidades visadas, designadamente as embaixadas. Este procedimento é adotado de forma genérica, ou seja, tanto é remetido o aviso para as empresas privadas que estão a ser contestadas por um sindicato de trabalhadores, como são enviados emails para as embaixadas ou consulados, independentemente do local onde a manifestação irá decorrer”, diz o relatório.
Pelo meio, houve a já conhecida, mas não obedecida, ordem dada por António Costa, então presidente da Câmara, para que os avisos seguissem apenas para o Ministério da Administração Interna e para a PSP, como realça o relatório: “Relativamente a esta alteração, apenas foi possível localizar um email remetido ao Gabinete de Apoio ao Presidente e constatar que, na prática, foram alterados os teores dos emails enviados aos promotores e outras entidades externas, aproximando-os das novas versões das minutas apensas à proposta de alteração. Porém, não foram seguidas as limitações quanto às entidades a quem deveriam ser dirigidos os emails, mantendo-se a tradição de remeter os avisos, na íntegra, para outras entidades sem intervenção necessária no processo, como as embaixadas.”