Estas escolas fogem ao modelo clássico e ensinam com sucesso
08-09-2017 - 15:25
 • Manuela Pires e André Peralta (sonorização)

Aqui ninguém fica para trás. A Renascença foi conhecer projectos educativos que usam várias ferramentas para ajudar os alunos a aprender.

Em Junho de 2017 a Renascença foi conhecer escolas diferentes. No arranque do ano lectivo 2017/2018, recuperamos este trabalho.

A ESCOLA DOS TABLETS

O director da escola da Boa Água, na Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, chega à escola de moto, veste calças de ganga, t-shirt. Nuno Mantas (na foto) ocupa o cargo desde 2009. Veio instalar a escola que é sede de agrupamento com 1.450 alunos.

Desde cedo, percebeu que tinha um clima favorável para fazer pequenas mudanças, quer na organização da escola quer na introdução de novas tecnologias. E foi por aqui que começou.

Em 2011, numa parceria com a Universidade de Aveiro, surge a plataforma "Sapo Campus", uma espécie de Facebook da escola, onde os alunos comunicam entre si, com os professores e onde partilham trabalhos.

Na escola da Boa Água, fazem-se jogos e concursos para aprender a Gramática, Matemática e Inglês. Leandro tem 11 anos, está no 5.º ano e mostra o "tablet" que usa desde o 3.º: "Nós, aqui, temos muita coisa tecnológica. Os manuais estão no 'tablet', fazemos as fichas no 'tablet', a professora manda mails com os trabalhos e podemos mandar mails para os colegas".

O director Nuno Mantas, que vai entrando nas salas de aula onde os alunos estão sentados em grupo, diz que “foi possível introduzir os 'EduLabs' porque não havia nada na lei que proibisse".

"O que se fez foi introduzir uma maneira diferente de dar as aulas, mas na sala de aula normal”, explica.

O projecto "EduLabs" começou em 2014, para os alunos dos 3.º e 7.º ano, e as melhorias estão à vista. “Eles têm melhores resultados, mesmo quando fazem a avaliação clássica, os testes. Mas, para nós, a grande mais-valia do projecto foram as outras competências que estão agora inseridas no perfil do aluno, traçado pelo Ministério da Educação: comunicação, domínio da língua estrangeira, trabalho em equipa, capacidade de resolução de problemas. Eles são muito melhores em todas estas competências que não vêm no currículo tradicional”, diz Nuno Mantas.

"É parvo o aluno ter de repetir todas as disciplinas"

A escola de Boa Água já recebeu a visita de vários professores de outros países, que querem conhecer o que se faz aqui.

A escola da Quinta do Conde integra ainda um outro programa inovador: foi escolhida pelo Ministério da Educação para receber o Projecto de Inovação Pedagógica (PIP), que permite aos estabelecimentos de ensino terem "carta branca" parar testar modelos que, actualmente, não são permitidos, com o objectivo de melhorar o sucesso dos alunos, diminuir o risco de abandono e de retenção.

Nuno Mantas aproveitou a "carta branca" e decidiu mudar as regras para os alunos que já chumbaram várias vezes. Em vez de ficarem retidos, no ano seguinte, repetem apenas as disciplinas nas quais tiveram negativa.

"Na minha opinião, é parvo o aluno ter de repetir todas as disciplinas. O que fizemos foi um plano curricular individualizado para os alunos que corriam o risco de não completar o ensino básico porque já tinham chumbado duas ou três vezes. Implica que eles estejam integrados numa turma, mas só façam as disciplinas que chumbaram. As restantes podem substituir por estágios. Nós temos 15 alunos neste projecto, três vão chumbar outra vez, os restantes 12 têm sucesso, vão passar de ano e sem nenhuma negativa, o que nunca tinham conseguido" no modelo tradicional.

O PIP está a funcionar em seis escolas do país e vai servir de modelo para as outras - perto de 150 - que aderiram à flexibilização curricular e que vai arrancar no próximo ano lectivo.


UMA "TURMA MAIS" NO ALENTEJO

São 170 os quilómetros que separam a escola da Quinta do Conde da Secundária Rainha Santa Isabel, em Estremoz, onde nasceu, há 15 anos, a ideia da "Turma Mais", graças à persistência de uma professora que encontrou uma fórmula para inverter os maus resultados dos alunos.

O Dinis tem 14 anos e está no 7.º ano. Já chumbou uma vez e está de novo em risco. Este ano, conseguiu recuperar duas negativas, mas não chega para passar de ano. Dinis diz que a "Turma Mais" é uma grande ideia: "Tem menos alunos e, em algumas disciplinas, há dois professores. Na turma de origem, quase não consigo falar, enquanto na 'Turma Mais' estou mais à vontade e consigo aprender melhor”.

Há 17 anos, a taxa de retenção do 7.º ano nesta escola era de 30%, muito acima da média nacional. Apesar do empenho dos professores e da gestão flexível do currículo, os resultados não melhoraram e chegou-se mesmo a uma taxa de 38% de chumbos.

Era urgente mudar alguma coisa na escola para inverter estes resultados e a professora Teodolinda Cruz chegou à conclusão de que o problema estava na organização das turmas. Lembrou-se, então, de criar uma turma suplementar, onde fosse possível criar um equilíbrio nas relações pessoais e pedagógicas. Só que a ideia recebeu parecer negativo da Direcção Regional de Educação do Alentejo.

Mesmo assim, a professora Teodolinda não baixou os braços e conseguiu autorização para testar a ideia. “Excepcionalmente, tivemos autorização para, em cada ano, abrir uma "Turma Mais" e, no final de cada ano lectivo, era feita uma avaliação pela Universidade de Évora. Consoante os resultados, recebíamos autorização para continuar o projecto no ano seguinte. Mais tarde, em 2007, a escola assinou o primeiro contrato de autonomia, onde foi inscrita a 'Turma Mais'”.

Foi o primeiro caso no país em que uma escola teve de prestar contas e mostrar que tinha um projecto que podia melhorar o sucesso dos alunos. O director da Escola Secundária Rainha Santa Isabel, Carlos Salema, lembra que “no início, foi muito difícil, porque a lei não permitia a criação desta turma virtual, e a escola teve de encontrar formas para monitorizar o projecto”.

Antes da "Turma Mais", a taxa de insucesso no 9.º ano rondava os 22%. Nos cinco anos seguintes à introdução desta turma virtual, a taxa baixou para 9%, muito abaixo da média nacional. "Logo no início, os resultados não foram bons, mas, ao fim de quatro anos, tudo mudou. Agora, temos taxas de sucesso na ordem nos 90% e conseguimos bons resultados nos exames, estamos entre as melhores escolas do distrito de Évora”, aponta Carlos Salema.

A constituição da "Turma Mais" não implica mais professores, apenas o aumento do crédito horário.

No arranque do ano lectivo, é criada mais uma turma para onde são encaminhados quatro quintos dos alunos das turmas do mesmo ano. Durante um mês e meio, os alunos saem da turma de origem e integram essa "Turma Mais". São escolhidos pelos resultados obtidos no ano anterior e, no início do ano lectivo, vão os melhores alunos, com notas de 4 e 5.

A Matilde e a Margarida são boas alunas. No início, acharam estranho, mas perceberam que na "Turma Mais" podiam trabalhar melhor e mais depressa. “Percebi que era para subir as notas e o projecto da 'Turma Mais' é bom porque junta alunos com ritmos de trabalho iguais. No meu caso, como sou boa aluna, na turma de origem temos de estar à espera dos outros e aqui temos um ritmo mais acelerado”, explica Margarida, de 14 anos, que está no 8.º ano e quer ser pediatra.

Os alunos melhoram os resultados e os professores conseguem definir estratégias diferentes de aprendizagem. Rita de Jesus é professora de História. Está na escola Rainha Santa Isabel há apenas três anos e tinha muita curiosidade em experimentar a "Turma Mais", porque se pode "construir grupos mais homogéneos de alunos, mais pequenos, e onde é possível alterar a estratégia. Geralmente, juntamos alunos com notas semelhantes, mas já houve um ano em que uma aluna de 2 ficou na 'Turma Mais' dos melhores alunos e funcionou muito bem, porque ela conseguiu subir as notas”.

A "Turma Mais" nasceu na Secundária Rainha Santa Isabel em Estremoz, há 15 anos. Agora, 150 escolas querem também implementar esta nova tecnologia organizacional para reduzir o insucesso escolar e melhorar as aprendizagens.


MARIA ENCONTROU O SUCESSO NA EPIS

Maria tem 18 anos, chegou há três da ilha de Santiago, Cabo Verde. Está na escola Azevedo Neves, na Damaia, concelho da Amadora.

Maria está sempre a ouvir música - canta e escreve as letras das suas canções. A escola nunca esteve em primeiro plano, está a repetir o 9.º ano, e é uma das alunas que integra o programa da EPIS - Empresários pela Inclusão Social - para o sucesso escolar.

"Primeiro, tive muitos receios, não sabia o que era para fazer, mas, depois, comecei a ter confiança com a professora. Ela é fantástica, gosto muito dela, ajudou-me muito”, conta.

A professora é Ana Keil, a mediadora da EPIS, que, desde 2008, está a tempo inteiro nesta escola da Damaia. Em média, acompanha 70 alunos, todos os anos. A metodologia usada pela EPIS é única no país. Trabalha as competências não cognitivas dos jovens em risco, fora da sala de aula. É um trabalho com os alunos, a escola, os professores e a família.

“Há miúdos que tem dificuldades de aprendizagem, outros que não percebem para que serve a escola, outros tem dificuldades em controlar as emoções e o comportamento, e há outros que têm isto tudo junto”, indica a mediadora da EPIS.

Maria ganhou confiança em si própria, aprendeu a estudar e a gerir melhor o seu tempo e vai passar de ano - sem negativas.

A escola Azevedo Neves já foi a escola mais africana da Europa. Nesta altura, tem alunos de 23 nacionalidades diferentes, é uma escola de inclusão para onde vão os alunos com diversas dificuldades.

Apesar de tudo isso, nos últimos anos, os alunos conseguiram melhorar as notas nos exames de Português do 12.º ano. A subdirectora, Helena Reia, utiliza todas as ferramentas para combater o insucesso e, desde 2008, conta com o apoio da EPIS.

Há mais de 10 anos que a Associação de Empresários pela Inclusão Social trabalha para combater o insucesso e o abandono escolar. Os mediadores da EPIS estão em 280 escolas. A organização é o maior parceiro privado do Ministério da Educação e, ao longo da década, conseguiu "descobrir" mais de dois mil novos bons alunos.