O juiz do Supremo Tribunal americano, Clarence Thomas, diz que o exemplo e o ensinamento dos seus avós e das freiras que o educaram foram fundamentais para lidar da melhor maneira com o racismo, que afetava a sociedade no sul dos Estados Unidos, onde nasceu e se formou.
Thomas é o segundo juiz negro do Supremo Tribunal, onde serve há 30 anos e é católico, tendo sido seminarista antes de abandonar e enveredar por uma carreira no Direito.
Numa conferência dada na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, Thomas falou do racismo predominante na Geórgia, onde vivia, e de como o ultrapassou.
“As minhas freiras e os meus avós cumpriram as suas vocações sagradas num tempo de grave animosidade racial, e fizeram-no com dignidade e com honra”, disse. “Ainda hoje eu reverencio, admiro e amo as minhas freiras. Eram mulheres devotas, corajosas e de princípios”, disse, citado pela Catholic News Agency, dos EUA.
Ainda novo, Clarence Thomas foi viver com os avós. A sua avó pertencia à Igreja Baptista, mas o seu avô tinha-se convertido ao catolicismo e enviou Clarence, que na altura era ainda protestante, para um colégio católico, onde se viria a converter.
“Entre os meus avós e as minhas freiras fui ensinado, pedagógica e experiencialmente, a navegar e sobreviver à negatividade de um mundo segregado, sem negar o que havia de bom. Claro que existia uma segregação quotidiana, e leis raciais que eram repugnantes e que contrastavam com os princípios do nosso país”, acrescentou, “mas havia também um amor profundo e forte pelo nosso país e um desejo firme de aceder aos direitos e às responsabilidades de cidadania plena, independentemente de como a sociedade nos tratava.”
A crença na sua dignidade enquanto filho de Deus, reforçada pelos ensinamentos das freiras na escola, foi fundamental, considera. “Por eu ser filho de Deus, não existe força nesta terra que me possa tornar um homem de menor dignidade e valor. Esta verdade foi repetidamente afirmada e ecoava por entre o mundo segregado da minha juventude, reforçando a nossa posição de cidadãos iguais”.
Numa altura em que a sociedade americana é dominada por discussões sobre o tratamento das suas minorias raciais e da existência, ou não, de um “racismo sistémico” na sociedade americana, Clarence Thomas rejeitou aquilo que considera ser uma nova forma de discriminação, nomeadamente o seu tratamento como inferiores, por parte de pessoas preconceituosas, mas também a de “vítimas” pelas classes mais educadas.
“Ser tratado como qualquer coisa menos do que igual continua, no fundo, a representar uma redução do nosso valor humano. As minhas freiras ensinaram-me que isso é uma mentira. Aos olhos de Deus somos inerentemente iguais”.
Contudo, continuou o juiz, estes ensinamentos nem sempre predominaram no seu coração. A forma como ouvia colegas brancos a falar de Martin Luther King levou-o a criar ressentimento e no dia em que o pastor e ativista pela igualdade racial foi assassinado Thomas abandonou o seminário onde passou quatro anos.
Foi para a universidade, mas rapidamente se viu atraído por movimentos extremistas que defendiam a resistência violenta contra a discriminação racial. “Deixei que os outros e as minhas emoções me persuadissem que tinha sido abandonado pelo meu país e pelo meu Deus. Fiquei desorientado e desencantado com a minha fé e o meu país e profundamente amargo. Talvez pior, desiludi a minha família”.
O avô pediu-lhe que saísse de casa e Clarence entrou num ciclo de “vazio, cinismo e desespero”. Até que uma manhã, em 1970, ao regressar ao campus universitário depois de ter participado num motim, parou diante da igreja. “Pedi a Deus que retirasse o ódio do meu coração”, diz.
Começou então a encarar a realidade de forma diferente. “Redescobri os princípios dados por Deus e contidos na nossa Declaração de Independência e na nossa fundação e acabei por regressar à Igreja que tinha ensinado as mesmas verdades há milénios”.
A palestra do juiz foi feita no dia 16 de setembro.
Clarence Thomas tem 71 anos, é casado e é considerado um dos juízes conservadores do Supremo Tribunal, que é composto por nove pessoas, com mandatos vitalícios.