O investigador da London School of Economics (LSE) Ricardo Reis não tem dúvidas. A segunda vaga não vai doer na economia como a primeira onda pandémica, mas vai impedir uma recuperação rápida da recessão que pode juntar-se às cinco recessões completas desde 1980, que acabam de ser detetadas por um Comité, liderado por Reis, no quadro da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Trata-se de um observatório que permite definir, com precisão, os momentos de recessão da economia portuguesa, criando uma cronologia de referência para as crises. O Comité de Datação dos Ciclos Económicos, criado pela FFMS , começou a descrever os ciclos de crise em Portugal e detetou cinco recessões em quatro décadas, sem contar com a que está em curso no atual ciclo económico.
“É difícil adivinhar se vamos ter uma recuperação em 'V'. É fácil de prever que haja um ressalto na economia simplesmente porque parar mais do que parámos em março e junho é impossível. Basta voltar a trabalhar mesmo em nova vaga de Covid que a economia não vai sofrer tanto como sofreu. Há aí um impulso de recuperação. Se vai ser refeito todo o caminho em 2021, é otimista”, reconhece Ricardo Reis, no programa “Da Capa à Contracapa” da Renascença.
O catedrático da LSE admite que é difícil perceber se o turismo, com peso muito grande na economia portuguesa, poderá recuperar em 2021 para os níveis anteriores. Até porque está pessimista sobre a possibilidade da TAP, uma importante exportadora portuguesa, colocar o mesmo número de aviões a voar no próximo verão.
Riscos e oportunidades da crise
Reis lembra que Portugal passou os últimos 20 anos em estagnação económica e alerta que esta crise vai representar um choque para as economias. O presidente do Comité de Datação de Ciclos Económicos da Fundação Francisco Manuel dos Santos admite que pode estar a formar-se uma crise financeira internacional que pode afetar Portugal, mas ao mesmo tempo abre oportunidades para a nossa economia.
“Receber os choques pode criar oportunidades, para desta vez tirarmos partido delas. Talvez seja uma oportunidade uma empresa se diversificar e instalar as suas fabricas em Portugal. E uma segunda oportunidade está na mudança para cada vez mais trabalho à distancia. Os economistas falam das ‘economias da aglomeração’, as forças que levam a que a Alemanha e da França tenham vantagens competitivas por estarem próximos dos centros do mundo e que podem ser hoje menores. E assim um país periférico como Portugal beneficia”, argumenta Ricardo Reis, num programa em conversa com Graça Franco, diretora de informação da Renascença.
O economista alerta contudo para uma crise financeira internacional “com uma grande retração de capitais fora dos países mais periféricos”, que levaria a que Portugal fosse afectado “de uma forma com algum paralelismo de 2010”.
Ricardo Reis, professor na London School of Economics, argumenta que no primeiro trimestre do ano já era visível “uma desaceleração clara” da economia portuguesa, uma vez que mesmo antes do confinamento, os nossos parceiros principais já estavam a braços com Covid-19, com contenção muito clara das exportações. Para o especialista este é um sinal evidente da dependência externa de Portugal.
“Olhando para os dados do mercado de trabalho, esta recessão vai ser particularmente difícil porque vamos ter que muito cuidado a olhar para taxas de desemprego vs horas trabalhadas. No entanto, é isso que justifica que o nosso Comité não olhe só para um indicador mas para centenas deles de forma a que se consigam filtrar diferenças”, explica Ricardo Reis na Renascença.
Já a acumulação de dívida pública em 2021, não merece grande preocupação deste economista, devido ao volume controlado de dívida a refinanciar no próximo ano e à intervenção de um Banco Central Europeu empenhado em manter taxas juro baixas, apesar do lado internacional da crise com os países avançados em processos fortes de endividamento e um “grande nervosismo” com os países emergentes.
Almofadas externas
Ricardo Reis considera que o Mecanismo de Recuperação e Resiliência é um instrumento importante para a retoma da economia embora sustente que não é o instrumento ideal para o estimulo à economia.
“ Precisávamos de dinheiro, em forma de empréstimos ou não, que nos permitissem estimular a economia, substituir a despesa pública, baixar até alguns impostos de forma a dar um impulso à nossa economia em 2021, assim como ajudar á transição entre alguns sectores que vão declinar e outros que vão expandir. Ao invés, ficou patente nas grandes opções estratégicas do plano encomendado por António Costa que incluem um horizonte de 10 a 20 anos e isso é um investimento bastante diferente”, assinala um dos mais conceituados economistas portugueses no “Da Capa à Contracapa”.
Reis sublinha a importância do estímulo orçamental que permitiu ajudar a conter os efeitos da pandemia nos últimos seis meses em Portugal.
“A politica de austeridade, que nos últimos quatro ou cinco anos chamámos de contenção ou responsabilidade, permitiu-nos ter estímulos orçamentais. Para quem questionou as cativações e outras artimanhas que permitiram ter austeridade com outro nome, por via do controlo do défice público nos últimos oito a nove anos, vê agora o resultado do sacrifício”, remata Ricardo Reis.