A presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) defendeu esta quinta-feira que o encarregado de proteção de dados da Câmara de Lisboa não deve ser destituído, sublinhando que a responsabilidade deve ser imputada apenas ao município.
Filipa Calvão foi ouvida esta quinta-feira à tarde no parlamento pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito da transmissão por parte da Câmara Municipal de Lisboa de dados pessoais de manifestantes a entidades terceiras, nomeadamente embaixadas.
Um dos pontos abordados pela presidente da CNPD foi a proposta da Câmara de Lisboa de exonerar o encarregado de proteção de dados do município e também coordenador da equipa de projeto de proteção de dados pessoais, Luís Feliciano, na sequência desta polémica, o que, no entender de Filipa Calvão, não encontra fundamento no Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD).
“Uma questão a saber é se em algumas circunstâncias podem os encarregados ter aqui alguma falha que justifique a sua destituição ou afastamento das suas funções. Desse ponto de vista, o RGPD é bastante claro a determinar que não pode ser destituído, nem prejudicado ou penalizado pelo exercício das suas funções”, afirmou.
Ainda a este propósito, a presidente da CNPD criticou a Câmara de Lisboa por ter permitido que Luís Feliciano acumulasse as funções de encarregado e coordenador de projeto, considerando que “não ficou salvaguardada uma prevenção de conflito de interesses”.
“Quando muito, aquilo que se pode perguntar é se neste contexto terá cumprido a sua função. Na relação entre o encarregado de proteção de dados e o topo do município de Lisboa a interação era com o vice-presidente, mas reitero que a responsabilidade do tratamento só pode ser imputada ao município de Lisboa”, insistiu.
Outro dos pontos abordados pela responsável da CNPD foi a prática da Câmara de Lisboa na comunicação feita a entidades terceiras, nomeadamente embaixadas, sobre a realização de manifestações, adiantando que não se trata de um procedimento adotado por outros municípios.
“As informações que a CNPD recolheu até agora demonstram que essa prática não está a ser seguida noutros municípios. Tanto quanto agora nos foi possível perceber essa prática é exclusiva do município de Lisboa”, ressalvou.
Filipa Calvão deu também conta aos deputados do projeto de deliberação da CNPD sobre violações à proteção de dados da Câmara de Lisboa a respeito de manifestações, no qual consta um total de 225 contraordenações, ficando a autarquia sujeita a coimas, por cada uma, até 10 a 20 milhões de euros.
“Detetámos comunicações que na nossa perspetiva não encontram fundamento, nem base legal para que se tivessem realizado. Entendemos que o diploma aplicado não legitima o município a transmitir esta informação a entidades terceiras. Poderá justificar-se em alguns casos a informação de que vai ser realizada a manifestação, mas não a informação sobre os promotores”, argumentou.
Questionada sobre um eventual pedido de isenção de pagamento da coima por parte da Câmara de Lisboa, a presidente da CNPD defendeu que “deve existir uma igualdade de tratamento entre as entidades privadas e públicas”.
“O regime de dispensa de aplicação de coima parece-nos ser um regime muito excecional, sob pena de estarmos aqui a violar a igualdade de tratamento de organizações públicas e privadas”, atestou.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) identificou 225 contraordenações nas comunicações feitas pela Câmara de Lisboa no âmbito de manifestações, ficando a autarquia sujeita a coimas, por cada uma, até 10 a 20 milhões de euros.
Na sequência de uma participação - que deu entrada na CNPD em 19 de março - relativa à comunicação à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo de dados pessoais dos promotores de uma manifestação, efetuada pelo município de Lisboa, a comissão de proteção de dados abriu um processo para averiguar a denúncia.
Segundo o projeto de deliberação da CNPD, conhecido esta quinta-feira, 111 contraordenações dizem respeito à comunicação de dados a terceiros, 111 são relativas à difusão de informações para serviços e gabinetes municipais, existindo ainda uma comunicação que viola o “direito de informação”, outra que põe em causa o princípio da limitação da conservação de dados e, por fim, uma contraordenação por ausência da avaliação de impacto sobre a proteção de dados (AIPD).
A coima relativa à contraordenação pela ausência da avaliação do impacto sobre a proteção de dados pode atingir 10 milhões de euros, enquanto as restantes 224 podem ir, cada uma, até aos 20 milhões de euros.
A CNPD defende no documento que a autarquia “procedeu a um conjunto de operações sobre informação relativa a pessoas singulares, no exercício de uma atividade pública específica, da qual resulta necessariamente impacto na privacidade e na liberdade daquelas e tinha obrigação de conhecer o enquadramento legal em que poderia, de facto, realizar esse conjunto de operações”.
A Câmara de Lisboa agendou para esta quinta-feira a exoneração do encarregado de proteção de dados do município e coordenador da equipa de projeto de proteção de dados pessoais, Luís Feliciano, na sequência deste caso, mas a votação foi adiada para sexta-feira.