Por um "ambiente administrativo totalmente neutro". Tribunal decide que funcionários podem ser impedidos de usar símbolos religiosos
30-11-2023 - 10:18
 • Renascença

"Desculpe, mas vou ter de pedir-lhe que não use o seu cruxifico durante o trabalho." Esta frase pode passar a ser uma realidade na Europa. Quem diz "cruxifico", diz também "véu islâmico" ou "quipá", por exemplo.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (UE) decidiu, na terça-feira, dar o poder aos Governos de banir o uso de símbolos religosos por funcionários de órgãos públicos, se assim entenderem, para "criar um ambiente administrativo totalmente neutro.

O Tribunal defende que a regra "não é discriminatória se for aplicada de forma geral e indiscriminada a todos os funcionários da administração e limitar-se ao estritamente necessário". Acrescenta-se na deliberação que os tribunais de cada país têm uma "margem" que lhes permite decidir a melhor forma de equilibrar os direitos individuais com a neutralidade do serviço público.

A deliberação surge de um caso belga. Uma funcionária do município de Ans informou o seu empregador, em fevereiro de 2021, de que começaria a usar o lenço islâmico. Após esta notificação, a autarquia decidiu mudar o seu regulamento e passou a proibir "qualquer sinal ostensivo suscétivel de relevar a sua filiação ideológica ou as suas convicções políticas ou religiosas." Ou seja, os trabalhadores não podem usar algo que os identifica com uma religião ou ideologia política.

A funcionária apresentou queixa, argumentando que a sua liberdade religiosa estava a ser restringida. Na altura, a mulher apresentou fotografias de, por exemplo, pessoas a usarem brincos com uma cruz ou a realização de festas de Natal. O objetivo era partilhar com o tribunal de que "sinais discretos de convicção eram tolerados."

O Tribunal do Trabalho de Liège concedeu-lhe uma autorização temporária para a mulher usar o véu, desde que não estivesse a prestar atendimento ao público. De seguida, o tribunal recorreu à UE para avaliar se a regra da neutralidade era discriminatória.

A instituição, sediada no Luxemburgo, afirmou que uma política de neutralidade "pode ser considerada objetivamente justificada por um objetivo legítimo", e decidiu que esta neutralidade pode aplicar-se a todos os escritórios do setor público na UE.

O tribunal observou também que o inverso também seria válido: as administrações públicas poderiam ter justificativa para permitir que os funcionários usassem sinais visíveis de crença, seja religiosa ou filosófica, de forma geral e indiscriminada. Por outras palavras, a instituição legal defende que é do juízo das administrações públicas optarem se optam por esta neutralidade ou não, mas, seja qual for a decisão, deve aplicar-se de igual forma a todos os trabalhadores.

A decisão do tribunal europeu tem sido alvo de críticas por parte da comunidade muçulmana e de organizações de defesa dos direitos humanos. Uma dessas organizações é a Human Rights Watch, que, em comunicado, escreveu que "as mulheres muçulmanas não deveriam ter de escolher entre a sua fé e os seus empregos."