O Governo regional do Curdistão Iraquiano cedeu um distrito nos arredores de Erbil para ser governado inteiramente pela comunidade cristã, que forma a esmagadora maioria da população.
Num anúncio feito na segunda-feira, o primeiro-ministro da região autónoma curda dentro do Iraque, Masrour Barzani, diz que decidiu "colocar o distrito de Ankawa, em Erbil, sob controlo administrativo dos seus residentes cristãos", medida que "dá aos cristãos, e a outros grupos, o direito de nomear líderes civis e altos funcionários e de gerirem a sua própria segurança, moldando diretamente o seu próprio destino”.
Numa mensagem publicada no Twitter, Barzani acrescentou que “a partir de agora, Ankawa será o maior distrito cristão no Médio Oriente. A maioria dos seus residentes fugiu das perseguições em Mossul, Nínive, Bagdad e Síria. Foram acolhidos entre nós. E, agora, oferecemos-lhes a oportunidade para se enraizarem mais num santuário próprio”.
A medida, que foi anunciada em junho, mas apenas implementada agora, foi bem acolhida pela comunidade cristã. Em declarações à Renascença, o ativista pelos direitos dos cristãos do Médio Oriente Metin Rhawi adianta a possibilidade de se tratar de uma manobra eleitoral, mas diz que isso pouco lhe importa.
“É um passo muito importante para a nossa comunidade. Nós que somos os indígenas daquela terra vemos, assim, reconhecidos os nossos direitos de administrarmos os nossos próprios assuntos, de acordo com os nossos pensamentos e as nossas ideias, como melhor nos parecer. Independentemente de ser uma medida eleitoralista, é bom para nós”.
Metin sublinha o facto de os cristãos não serem recém-chegados à região. Conhecidos como caldeus, assírios ou siríacos, conforme as confissões religiosas a que pertencem, os cristãos são herdeiros do império Assírio, que foi um dos mais importantes do mundo nos tempos bíblicos.
Perseguidos há centenas de anos pelos povos maioritários no Iraque, na Síria e na Turquia, os cristãos procuraram historicamente guarida na Planície de Nínive, no nordeste do Iraque, e zonas circundantes. Contudo, a ocupação daquela região pelo Estado Islâmico em 2014 levou à fuga de centenas de milhares para o Curdistão iraquiano, reforçando a maioria cristã em Ankawa.
Para Metin Rhawi, este passo importante no Curdistão deve ser seguido por outros, dentro do Iraque. “O próximo passo seria a autonomia plena, não apenas em Ankawa, mas também na Planície de Nínive. É algo que aguardamos há muitos anos. O Iraque tem um sistema federal, mas acaba por só reconhecer uma região autónoma, que é o Curdistão. Porquê? Devia haver uma região para nós, outra para os yezidis, por exemplo”, afirma, referindo-se à minoria que pratica uma religião pré-islâmica e que foi muito duramente perseguida pelo Estado Islâmico também.
“Turquia continua a atacar-nos na Síria”
Enquanto responsável pelas relações internacionais da União Siríaca Europeia, Metin Rhawi está em contacto diário com as comunidades siríacas, ou assírias, em diversas partes do Médio Oriente, incluindo na Síria.
No nordeste do país, cristãos, curdos, árabes e membros de outros grupos étnicos e religiosos governam autonomamente uma grande região, com as suas próprias milícias, paridade entre homens e mulheres nas posições de chefia e representatividade cultural e linguística. Foram estas forças que derrotaram territorialmente o Estado Islâmico e existe com Damasco um entendimento que se transformou num pacto de não agressão.
Contudo, a Turquia acusa os grupos curdos de estarem ao serviço do PKK, o Partido dos Trabalhadores Curdos, que é considerado uma força terrorista por Ancara. As forças armadas turcas invadiram mesmo a zona fronteiriça da Síria e apoiam ativamente os grupos jihadistas antirregime que lá se refugiaram à medida que os soldados leais a Damasco os empurraram para norte.
Apesar de a preocupação dos turcos ser os curdos, os cristãos aliados destes acabam por ser apanhados também no conflito. “Infelizmente, a agenda da Turquia continua a avançar. Ao longo do último mês posso referir, pelo menos, 10 ou 15 ataques contra aldeias cristãs na região do Khabour e Tell Tamer. Estamos a falar de aldeias historicamente cristãs que estão a ser atacadas por milícias jihadistas apoiadas pela Turquia”, diz Metin Rhawi.
Precisamente para evitar enfurecer a Turquia, a defesa destas aldeias e vilas é comandada por elementos locais, do Conselho Militar Siríaco, formado exclusivamente por cristãos. Mas nem isso trava a hostilidade, diz, a partir da cidade de Sodertalje, na Suécia, onde vive uma significativa comunidade de cristãos oriundos da Síria, Turquia e Iraque.
“Há mais de um ano, três soldados do Conselho Militar Siríaco que estavam a defender Tell Tamer foram capturados por grupos jihadistas. Foram levados para a Turquia e lá foram condenados, dois a prisão perpétua e um a sete anos de cadeia.”
“Isto viola todas as leis internacionais sobre o tratamento de prisioneiros de guerra. Eles foram raptados. Estavam a defender as suas regiões, dentro da Síria, não atravessaram nenhuma fronteira. Os grupos jihadistas vieram da Turquia e levaram-nos de volta para lá e agora são tratados como terroristas que ameaçam a Turquia. Estamos perante um crime de guerra”, acusa o responsável pelas relações internacionais da União Siríaca Europeia.