Decorre esta quarta-feira e quinta-feira, em formato digital, o Open Day da Universidade Católica, uma oportunidade para estudantes do ensino secundário conhecerem os cursos das diferentes faculdades e contactarem com estudantes do ensino superior.
Em entrevista à Renascença, Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade, diz que é preciso apostar numa formação que integre cada vez mais os saberes e revela, ainda, que a instituição está disponível para acolher refugiados provenientes da guerra na Ucrânia.
Sobre a possibilidade de os ministérios da Educação e do Ensino Superior se fundirem, na nova legislatura, a responsável é perentória: "seria trágico".
Esta quarta edição do Open Day da Universidade Católica tem como tema “Católica e Talento para o futuro”. De que maneira é que o talento deve ser decisivo na hora de escolher um curso?
É um dia importante para a Católica este em que voltamos a contactar com potenciais candidatos, mas também com jovens estudantes que estão a tentar tomar uma decisão relativa ao ensino superior. Chamámos a este Open Day, que vimos a realizar há alguns anos, “Católica para o futuro”, porque se trata de conseguirmos atrair jovens criativos, curiosos, perspicazes, com interesse em contribuírem para mudar o mundo. Claro que gostaríamos que muitos daqueles jovens que vão participar no Open Day da Católica possam vir a ser nossos alunos, mas certamente haverá muitos que vão à procura de um contacto com áreas que potencialmente podem vir a ser interessantes no desenvolvimento das suas perspetivas profissionais. É natural que haja muita indecisão, quando se está a acabar o ensino secundário.
A propósito dessa necessidade de adaptação entre a oferta das universidades e o mercado de trabalho, e o próprio contexto, o que é que está a mudar na oferta de cursos das diferentes faculdades da Universidade Católica?
Cada vez mais, optamos por pensar e implementar formações que estejam alinhadas com aquilo que são os grandes desenvolvimentos a nível internacional. Temos formações de primeiro ciclo lecionadas em inglês, mas também o curso pioneiro em "Portugal Philosophy ans Politics and Economics", para além do curso de Medicina.
Por outro lado, apostamos na internacionalização e em currículos que deem aos candidatos uma abordagem que não seja baseada num conceito de especialização limitada, ou seja, que integre, no desenvolvimento curricular do primeiro ciclo, áreas científicas externas à área de especialidade. Precisamos cada vez mais de profissionais que tenham uma capacidade de analisar, interpretar e agir em contextos complexos. O paradigma antigo da hiperespecialização que limitava, ou seja, que, em vez de potenciar a integração dos saberes os separa, está hoje obsoleto. O Papa Francisco fala muito na questão da ecologia integral dos saberes. Este conceito que, para além de muito bonito, é um conceito muito útil e fundamental para que os jovens que agora entram no ensino superior, possam ter um contributo relevante para a sociedade do futuro.
Nestes dois dias de open day, os alunos poderão falar com 16 representantes das diferentes faculdades. O que poderão encontrar concretamente?
Desde logo, podem encontrar professores, diretores de faculdade que poderão tirar dúvidas sobre aspetos específicos dos cursos que oferecemos, mas também das saídas profissionais. Em segundo lugar, vão ter a possibilidade de falar com alunos, jovens da sua idade, e entender o que é a experiência do ensino superior, a experiência de uma determinada área e perceber também aquilo que foi o percurso de escolha de cada um.
É importante que os jovens sintam que neste momento de decisão não estão sozinhos. Têm obviamente o apoio que trazem da escola secundária, dos seus professores, dos responsáveis pelos gabinetes de orientação profissional, das famílias, mas do lado da universidade e, para além de uma orientação e explicação profissional e académica, numa espécie de mercado virtual, poderão também perceber quais foram as motivações que levaram outros estudantes a escolher determinadas áreas. Terão um misto de explicação académica, orientação profissional, e contacto com a experiência dos estudantes e de antigos que são agora profissionais de sucesso.
Olhando para a situação internacional, mais concretamente para a guerra na Ucrânia, estão a preparar-se de alguma maneira para acolher alunos que venham deste país?
Sim, em primeiro lugar, a Universidade Católica assinou e subscreveu a declaração da Federação Internacional das Universidades Católicas, rejeitando e condenado a guerra e o ataque russo à Ucrânia. Disponibilizámo-nos, desde essa altura, dia 25 de fevereiro, para receber estudantes não só oriundos da Universidade Católica da Ucrânia, mas de outras instituições. Estudantes refugiados que quisessem frequentar os nossos cursos. Vamos desenvolver várias iniciativas.
Associámo-nos a duas iniciativas europeias para apoiarmos estudantes, mas também professores refugiados.
Quais, por exemplo?
Já nos disponibilizamos à Câmara de Lisboa – no Porto aconteceu o mesmo – para acompanharmos as iniciativas autárquicas de apoio aos refugiados. No que diz respeito aos universitários, vamos disponibilizar lugares para estudantes deslocados que queiram continuar os seus cursos na Católica. Isso pode revestir-se de várias modalidades: frequência presencial, mas também online, para quem possa e tenha interesse em seguir aulas à distância, embora esta modalidade seja mais difícil pelas condições na Ucrânia.
Associámo-nos a duas iniciativas europeias para apoiarmos estudantes, mas também professores refugiados. Quero, também, assinalar que os "alumni" da Universidade vão lançar uma iniciativa para disponibilizar, através da sua rede, lugares de trabalho a refugiados e famílias deslocadas que venham para Portugal. Vamos disponibilizar uma bolsa de emprego a todos aqueles que vivem esta situação terrível e que se deslocam para Portugal, para que possam também continuar a trabalhar e a ter uma vida digna.
Trata-se de uma mudança das regras de atribuição de bolsas?
Não, esta é uma situação excecional. Estamos a falar de estudantes refugiados que frequentarão os cursos numa situação de exceção e, portanto, vamos encontrar soluções, através de um fundo de apoio, para que possam frequentar os cursos da universidade e isentá-los de propinas, nas situações em que isso seja necessário.
Quantos alunos é que a universidade poderá receber?
Estamos, neste momento, a estudar com as faculdades aquilo que poderá vir a ser a nossa oferta. A Global School of Law, que é a escola que ensina e desenvolve programas pós-graduados em Direito e que leciona em inglês, oferece desde já dois lugares, duas bolsas para estudantes ucranianos que se candidatem aos programas.
A remuneração que o mercado português dá aos jovens altamente qualificados está muito abaixo daquilo que são as suas dignas expectativas.
Receia que a ameaça de uma crise económica tenha impacto no número global de alunos da universidade?
As crises económicas afetam a sociedade como num todo. Nas últimas crises, a Universidade Católica foi encontrando forma de fazer com que os seus estudantes que sofressem uma situação de particular fragilidade pudessem ser apoiados pela instituição. Isso aconteceu com a crise económica, aconteceu com a pandemia. Criámos um fundo Covid. Esperamos naturalmente que a profundidade da crise não tenha consequências catastróficas para a Europa.
O que estamos a ver na Ucrânia é um êxodo apenas semelhante àquilo que aconteceu na Segunda Guerra Mundial. É uma agressão sem precedentes e que se acreditava ser impossível no continente europeu. Portanto, perante uma situação de exceção, teremos também de responder com medidas de exceção. Essas medidas de exceção terão, ao mesmo tempo, que permitir a sustentabilidade das instituições.
Aquilo que posso garantir é que vamos fazer face àquilo que vierem a ser as necessidades para estudantes refugiados no nosso país e a Católica disponibiliza-se, desde já, na linha da frente para os acolher, para os receber nos seus programas. À medida que a situação for evoluindo, vamos antecipando aquilo que podem ser as nossas possibilidades de continuarmos a progredir, dentro da linha que é a nossa missão, portanto, de darmos um futuro aos jovens, ao talento português, mas também internacional.
Portugal continua a ver muitos dos seus jovens mais competentes e brilhantes a emigrarem, em muitos casos por falta de oportunidades em Portugal. O que é que está a falhar para que haja este problema de retenção de talento?
A remuneração que o mercado português dá aos jovens altamente qualificados que saem das universidades está muito abaixo daquilo que são as suas dignas expectativas e daquilo que são as ofertas fora. Hoje as possibilidades de desenvolvimento profissional são internacionais. Não acredito que a única solução seja exclusivamente manter os jovens portugueses em Portugal, os ingleses em Inglaterra, os franceses em França. O que se trata é de conseguir que haja uma rotação que garanta que o país tem capacidade de atrair talento.
Em Portugal, os baixos salários põem em perigo esta possibilidade de rotação, tanto dos jovens portugueses que querem desenvolver a sua vida profissional e familiar no país, mas também a capacidade de podermos atrair talento global que é particularmente importante no tempo em que vivemos.
Não é uma questão nova e tem sido muito repetida, sobretudo, no contexto das últimas eleições. É fundamental, neste momento, conseguir aumentar o salário médio em Portugal, remunerar de forma mais substancial os profissionais licenciados e mestres. Para isso, há um elemento fundamental também: as empresas têm de ter capacidade de produzir mais, criar mais valor. Tudo isto é uma cadeia.
Há uma crise de financiamento na forma como o ensino superior em Portugal opera.
Considera que o ensino superior em Portugal está a fazer a necessária reforma, atendendo à rápida transformação tecnológica que atravessamos?
O sistema de ensino superior português é robusto e competitivo. A transformação que está a acontecer e que foi acelerada pela pandemia exige flexibilidade, autonomia e estratégia para que as instituições possam responder às novas necessidades. Precisa também de forte investimento. A adaptação tecnologia não se faz sem um forte investimento em novas tecnologias. É necessário que as universidades avancem para um modelo de transformação digital que, neste momento, já não é uma opção.
É a realidade que as universidades têm de abraçar, como todas as organizações. É um desiderato que tem de ser necessariamente conseguido. Estamos num mercado europeu em que há fortíssimos mecanismos de financiamento e instrumentos de financiamento para o ensino superior. Isso não existe em Portugal. O PRR será certamente uma oportunidade, mas há muito mais a fazer. O sistema é robusto, é muito competitivo. A ciência que se faz em Portugal está ao nível do melhor que se faz nos sistemas mais reconhecidos nos rankings internacionais de educação e de ciência. Mas não podemos manter o status quo.
Seria trágico que os dois sectores viessem a ficar unidos no mesmo ministério.
Pode explicar?
Nas universidades e nos centros de investigação há uma necessidade de inovação, adaptação, transformação constante. E isso exige um nível de investimento, constante, permanente, previsível, que em Portugal escasseia. Há uma crise de financiamento na forma como o ensino superior em Portugal opera e não é previsível que esta crise de financiamento venha a ser superada de um dia para o outro. É uma questão sistémica. Tudo isto depende da necessidade de sermos uma sociedade que produz mais riqueza, com uma economia que cresce mais e que permite libertar valores para desenvolver instituições que são cruciais para o crescimento e desenvolvimento do país, como é o caso das instituições de ensino superior.
Considera que a possível fusão dos ministérios do Ensino Superior e da Educação, na próxima legislatura, é uma estratégia adequada para dar resposta aos desafios do setor?
Não. Acho que seria uma opção trágica. Ouvi falar nessa hipótese, mas espero que não seja uma opção a ser tomada. As universidades são instituições com uma realidade de desenvolvimento muito distinta daquela que é a das escolas do ensino primário ao secundário. Tem problemas muito próprios, oportunidades próprias que exigem o enfoque dedicado de um ministro. A agregação de duas áreas que são distintas, mas afins, iria levar à canibalização de uma por outra.
Não nos podemos dar ao luxo, enquanto país, nem de negligenciar a educação, nem de negligenciar o ensino superior que, além de ser a área que permite que o país pense a vanguarda e que possibilita o desenvolvimento e o crescimento dos outros sectores, da indústria, da economia. Aliás, vimos isto durante a pandemia: muitas das soluções que foram usadas pelas empresas e depois desenvolvidas para o combate à pandemia ou já tinham sido desenvolvidas nos laboratórios das universidades, ou havia ciência suficiente para que isso acontecesse. Estamos a falar de áreas muito especializadas, muito distintas, que exigem dedicação própria, estratégias distintas e seria trágico que os dois sectores viessem a ficar unidos no mesmo ministério.
Que perfil gostaria de ver à frente de uma pasta do ministério do Ensino Superior?
Uma pessoa que tenha a experiência e o conhecimento daquilo que é a realidade do ensino superior, dos seus desafios, com visão estratégica e ambição. Como dizia Ortega y Gasset: “quem não tiver ambição de crescer, quem não pensar grande e não tiver ambição não irá longe”. A ciência em Portugal e o ensino superior – e estamos a falar de duas realidades que estão interligadas, mas que exigem estratégicas distintas – exigem alguém que, conhecendo bem o sistema, tenha flexibilidade suficiente.
As universidades são todas diferentes, têm estratégias distintas, estão em territórios distintos. Gostaria que fosse alguém que tenha visão, conhecimento, experiência do sector e também, que é muito importante, capacidade de diálogo com as instituições.