Pode tudo ficar pior do que o que está, avisa Alexandre Valentim Lourenço, responsável pela secção Sul da Ordem dos Médicos. A demissão dos chefes de equipa de Urgências do Hospital de Beja vem juntar-se a outras, conhecidas nos últimos meses, que são fruto da falta de condições de trabalho, um quadro agravado com a pandemia.
Na opinião de Alexandre Lourenço, a falta de profissionais vai manter-se e será necessário adiar consultas para fazer face a outros casos mais graves.
“Eles já têm muito trabalho sem pandemia e, por isso, os mesmos médicos – e não há mais; em Beja não se recrutam médicos de nenhum sítio, porque está muito afastado dos outros centros – além de fazerem o seu trabalho normal da medicina interna, do internamento, da consulta e da urgência normal, tiveram de criar circuitos específicos repentinamente para atender os doentes covid do distrito”, começa por explicar à Renascença.
“Eles não conseguem fazer e por isso entregaram esse pedido [de demissão], esse protesto assinado pelos 12, e também fizeram pedidos de escusa de responsabilidade por não estarem estabelecidas as condições necessárias para garantirem a segurança no normal atendimento”, acrescenta, lembrando que noutras situações semelhantes o que “tem acontecido é que não conseguem fazer contratações repentinas, não conseguem colmatar a falta de recursos humanos”.
Por isso, “na prática, vão-se protelar as situações”. Em Beja, tentar-se-á “manter os sistemas abertos, até porque não há muitas alternativas”, sublinha o médico ginecologista.
Hospital, só em caso de urgência
O responsável pede à população que recorra ao hospital “essencialmente em situações de urgência”.
Mesmo assim, em Beja, “será preciso desencadear mecanismos para as quais algumas rotinas tenham de ser canceladas para responder a esta situação de emergência, porque manter um serviço de atendimento respiratório em paralelo com o serviço de urgência significa que pelo menos as consultas normais, de rotina, terão de ser adiadas para daqui a um ou dois meses, quando esta fase acalmar”.
A nova vaga da pandemia de Covid-19 ainda não terá atingido o pico, pelo que os internamentos continuarão a aumentar.
“Ainda podemos agravar. O pico pandémico, estudado pelo Instituto Superior Técnico e pela Ordem dos Médicos, aponta para que seja na próxima semana. Então, o pico de internamentos e de mortes será 15 dias depois”, explica Alexandre Valentim Lourenço, para quem “o próximo mês será crucial para a reorganização destes serviços”.
É previsível que haja mais demissões
Para já, os clínicos do Hospital de Beja dizem não ter condições para tratar os doentes e a sobrecarga de trabalho vai aumentar, “principalmente para os hospitais que já tinham falta de recursos cronicamente”.
E, nesse sentido, poderá haver mais equipas seguir o mesmo caminho. “Há outros hospitais que estão a fazer o mesmo. O que acontece é que na região de Beja, como de Portalegre ou de Setúbal, não há alternativas. Em Lisboa, havendo sete ou oito hospitais e essa capacidade, muitas vezes consegue-se recrutar médicos extra. Beja não tem essa capacidade”, explica.
A falta de condições e de profissionais para fazer face ao trabalho extra que a pandemia (sobretudo no Inverno) trouxe já levou à demissão em bloco nas urgências de hospitais portugueses.
Primeiro, em outubro, foram nove dos 16 chefes de equipa do Hospital de Braga. Em novembro, os chefes de equipas de cirurgia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. E, mesmo em cima da altura do Natal, demitiram-se os chefes de equipa do centro hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde.
Amanhã, quarta-feira, os médicos das equipas de Beja reúnem-se com a administração do hospital para debater a situação.