As Jornadas Mundiais da Juventude transportam a marca do pontificado que lhes deu origem. O Papa João Paulo II, influenciado pelo impacto de diversas iniciativas de Taizé, junto da população juvenil, e pela vitalidade dos lugares de peregrinação internacional, encontrou neste dispositivo uma via para a afirmação de um catolicismo visível e desinibido na cena pública.
A este instrumento associou outros, como as suas viagens, que marcaram de forma indelével o espaço público global do final do século XX. Neste contexto, estávamos perante uma lógica de ação contrastante com as tendências próprias de um catolicismo discreto que, de certo modo, tinham marcado o pontificado de Paulo VI.
No desempenho da missão de presidir à comunhão católica, o Bispo de Roma foi acompanhando as diversas mediasferas, desde os mass media aos atuais social media. Entre a primeira mensagem de Pio XII numa emissão televisiva e a primeira publicação no Twitter assinada por Bento XVI, encontramos uma mesma vontade de habitar os diferentes ecossistemas comunicativos, renovando as formas de comunicação com o «mundo».
De alguma forma, os Papas contemporâneos tomaram consciência de que habitar o espaço social implicava uma contínua reformulação dos modos de «aparecer». Os media passaram a fazer parte do acontecimento – na medida em que cobrem o acontecimento, transmutam o ver em crer, como observava Michel de Certeau na década de 1980.
Os media exprimem-se nessa alquimia que dá a «ver» o que é preciso «acreditar». Nessa modernidade comunicativa, o antigo regime do «crer no que não se vê» cede lugar ao «crer no que se vê». Nesse sentido, as Jornadas Mundiais Juventude, como fenómeno comunicacional, acontecem nessa zona de construção da visibilidade, no contexto das dinâmicas próprias das sociedades complexas.
As Jornadas Mundiais da Juventude operam ainda num outro domínio. Refiro-me à extraordinária relevância dos processos contemporâneos de individualização e de emocionalização do crer. O protagonismo da figura dos Papas, em particular a partir de João Paulo II, talvez seja um fator não esperado, se tivermos como ponto de partida o esforço do II Concílio do Vaticano para um aprofundamento da centralidade das Igrejas locais. Mas, de facto, o tempo mostrou que a figura da personalidade religiosa, enquanto rosto e biografia, favorece novas possibilidades de reforço da identidade individual, por meio da empatia e da emocionalização da experiência crente.
Esta emocionalização do crer é também dominante nos processos de adesão dos jovens participantes em grandes eventos religiosos como as Jornadas Mundiais da Juventude. Estes jovens convergem para um território, representado como lugar de peregrinação, para viver um acontecimento que é percebido como excecional, incomparável, transcendente relativamente aos seus quotidianos (incluindo os quotidianos paroquiais e associativos que descrevem a sua pertença católica).
Aliás, a intensidade da experiência é a marca da autenticidade do evento. Isso ajuda a entender porque é que as Jornadas Mundiais da Juventude não se exprimem tanto no plano das mundividências transformadoras (que é o registo de muitos dos discursos do Papa Francisco), mas sobretudo no apelo da celebração do próprio acontecimento.
O megaevento está ao serviço da construção de um «nós» católico, mas favorece também uma experiência de solidariedade cosmopolita que, pelo menos do ponto de vista narrativo, se apresenta aberto a todos – traço inclusivista a que as culturas juvenis são sensíveis.
O Papa surge, assim, como «operador utópico», que promove uma territorialidade simbólica, uma pátria portátil, capaz de reunir da dispersão a multidão dos peregrinos. Por isso, é certo, qualquer dúvida acerca da viabilidade da presença do Papa, por razões de saúde, é um fator de elevado impacto.
A pergunta que se coloca no título desta coluna de opinião não tem uma resposta necessariamente excludente. O clima de festa, ou de festival, que dá corpo à gramática do evento não é incompatível com a vivência propriamente eclesial. A memória cristã transporta muitos outros exemplos de formas de inculturação da mensagem cristã. Os espaços e os tempos do vivido, na Jornada Mundial da Juventude, incluem contextos de aprendizagem eclesial.
É possível observar que, na preparação e na implementação, grande parte das dinâmicas se desenvolvem em torno dos polos nucleares da vida cristã: a celebração litúrgica e a comunhão orante (leitourgia), o testemunho pela palavra e pelo gesto (martyria), a vida de serviço aos outros (diakonia) e a partilha comunitária (koinônia). No entanto, estas dinâmicas eclesiais encontram-se aqui aculturadas à lógica do acontecimento. Recordando uma expressão da socióloga Danièle Hervieu-Léger, trata-se de um processo de identificação crente «precipitado pelo acontecimento».
Estes «eventos XXL» podem ter obviamente um impacto substancial nas pessoas que neles participam. No entanto, do ponto de vista da construção da identidade crente, a possibilidade de transportar esta experiência, do domínio do «extraordinário», para o curso da vida «ordinária», dependerá de outros fatores. Para ultrapassar a efemeridade própria da intensidade emocional vivida, a experiência precisa de ser incorporada num regime de pertença e vivência crentes que não dependa já das condições irrepetíveis do evento. Esse processo é, atualmente, dominado pela incerteza.