A resistência ucraniana à Rússia surpreendeu Putin, mas também o mundo inteiro.
Moscovo sonhava com um pequeno passeio da fronteira da Bielorrússia até Kiev. Entre outros percursos, as tropas russas iriam pelo caminho mais direto até Kiev, atravessando Chernobyl. E tanto bastaria para que em poucos dias Putin, qual czar da nova era, se passeasse pela capital ucraniana.
O ocidente não esperava outra coisa. Em breve, Putin dominaria a Ucrânia, cuja desproporção de forças face às russas era sobejamente conhecida. Haveria protestos ocidentais e umas quantas sanções. Apenas o suficiente, mas longe do necessário. Para cúmulo, Zelensky, o presidente ucraniano, tinha pouca experiência política, quanto mais militar.
Por isso, todos os esforços ucranianos para adesão à NATO ou à União Europeia foram em vão. Tais pedidos eram música para os ouvidos ocidentais. Sinalizavam à Rússia a inclinação ocidental da Ucrânia, sem que verdadeiramente alguém lhes tencionasse abrir as portas da Nato e da União Europeia, para não enervar o poder de Moscovo.
Porém, a tibieza ocidental jogava a favor de Vladimir Putin que escreveu, falou e preparou a operação à vista de todos. E todos (no ocidente) disseram que Putin ia entrar, mas pouco se ajudou a Ucrânia na preparação para aquilo que todos diziam ser óbvio.
Ao entrar na Ucrânia com a brutalidade dos ditadores, Putin deixou cair a máscara. Mas simultaneamente permitiu à Ucrânia dar a cara e mostrar ao mundo a sua coragem e o seu amor à liberdade. A nobreza dos ucranianos envergonhou a Rússia de Putin e encorajou o ocidente a sair da dormência com que ao longos dos anos encarou o atual líder russo.
A história ensina que não se pode dar espaço à ambição ilimitada de líderes políticos que não conhecem limites. Churchill percebeu rápido e viu em Hitler o que outros não quiseram ver. Se o mundo desse espaço a Putin, assistiria atónito à reposição anacrónica de qualquer coisa semelhante ao império soviético.
O atual Presidente da Rússia gostaria que o mundo andasse para trás. Que os seus cidadãos vivessem alheados da realidade e dóceis à verdade única do regime. Que a informação fosse facilmente condicionada e servida a preto e branco aos russos, como um filme ao estilo da ‘URSS Memória’. Que não houvesse jornalistas no terreno – portugueses e de todo o mundo – que tão corajosamente têm travado a guerra de informar. Que houvesse apenas meios de comunicação – na Rússia e em todo o mundo -obedientes e temerosos que não escrutinassem nem saíssem do conforto da Redação, para saber mais e contar melhor o que se passa. Que continuasse a ser possível repetir em 2022 as incursões militares na Hungria ou na Checoslováquia para esmagar opositores, à semelhança do século XX.
Não deve confundir-se a Rússia com Putin. E não é claro o modo como o regime russo vai lidar com as opções do seu Presidente, que no auge da crise abandonou a pose de estadista. Com isso atraiçoou também a compreensão e apoio de eventuais aliados.
A China, espetadora interessada do que se está a passar, já não se juntou ao veto da Rússia no Conselho de Segurança.
Por cá, é tão revelador quanto assustador que tantos anos depois, o partido comunista português demonstre nada ter aprendido com o passado.
No início da invasão, os comunistas portugueses desculparam Putin e culparam o ocidente. Saudosos do poderio soviético recuperaram com velocidade vertiginosa os mesmos óculos com os quais tresleram, durante décadas, a conjuntura internacional.
O Bloco de Esquerda não quis ir tão longe. O BE censurou Putin, mas avisou que a Ucrânia tem mais é que ser neutral e abandonar quaisquer outras aspirações. Sempre tão aparentemente ciosa da independência nacional, isto foi o melhor que Catarina Martins foi capaz de fazer: decidir pelos ucranianos, aos quais a senhora deputada não reconhece vontade própria nem permite a independência que habitualmente reclama. A neutralidade da Ucrânia até pode ser uma saída, mas é lamentável a conceção de liberdade (?) do Bloco de Esquerda.
Em 2022, a extrema-esquerda portuguesa nada aprendeu. E continua fiel ao lado errado da história. À primeira oportunidade reergue-se das trevas exibindo a cegueira ideológica que tem condenado milhões de pessoas em todo o mundo à pobreza e à submissão a regimes de partido único.
Para além destes dois maus exemplos portugueses, sublinho dois casos positivos na europa.
Polónia e Hungria, com governos democráticos, mas claramente mais à direita, mostraram-se incansáveis no acolhimento aos refugiados ucranianos e solidários com as medidas tomadas pela União Europeia, na reação à invasão militar de Putin.
Deste modo, o espaço europeu assume também uma verdadeira vocação de paz que esteve na base da sua criação.
Independentemente do que venha agora a suceder, uma coisa é certa: mesmo não pertencendo à União Europeia (e havendo quem não queira a sua adesão), a Ucrânia fez mais pela Europa em quatro dias, do que os 27 ao longo dos últimos anos.
A invasão de Putin é um ataque a todos aqueles que defendem um mundo livre. Por isso, a resistência da Ucrânia é feita em nome da liberdade de todos nós. Agradecer à Ucrânia é obrigatório, mas já não chega.