Em vídeo divulgado nas redes sociais, a Zelensky mensagem foi dirigida a russos: "Salvem as vossas vidas e ajudem-nos a enfraquecer e destruir os ocupantes. Escondam-se da mobilização russa. Evitem cartas de recrutamento. Tentem chegar ao território livre da Ucrânia", afirmou.
O chefe de Estado apelou ainda à sabotagem de atividades russas, incluindo o fornecimento de "informações importantes". "Faça de tudo para salvar sua vida e ajudar a libertar a Ucrânia." Os referendos russos de anexação de territórios começaram esta sexta-feira em quatro regiões da Ucrânia controladas total ou parcialmente por Moscovo.
Ex- assessora de Zelensky. Mobilização de reservistas é "sinal de desespero"
Iuliia Mendel, ex-assessora do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, defendeu esta sexta-feira em entrevista à Lusa que "a Rússia já falhou" os seus objetivos na guerra da Ucrânia e que a mobilização de reservistas é "um sinal de desespero".
"A Rússia já falhou no cumprimento dos seus objetivos: retirar a independência à Ucrânia, matar o Presidente, instituir um regime-fantoche, tomar Kiev e tornar a Ucrânia uma baía da Rússia", disse à Lusa Iuliia Mendel, de 35 anos, secretária de imprensa e porta-voz de Zelensky entre 2019 e 2021.
"De uma só penada, [o Presidente russo, Vladimir] Putin achou que tomaria o país, o que não faz qualquer sentido, porque a Ucrânia é o maior território de liberdade da região pós-soviética e, se alguém vier a Kyiv, compreenderá que nunca fomos bem-vindos na Rússia e sabíamos que a Rússia estava em guerra no Donbass e anexou a Crimeia [em 2014] - portanto, era um inimigo - pelo que seria impossível obedecer à Rússia de que maneira fosse", afirmou.
Mendel, residente em Kyiv e que acredita que a Ucrânia ganhará a guerra, acaba de publicar nos Estados Unidos um livro sobre a sua experiência na equipa do "ator cómico que se tornou estadista e do estadista que se tornou líder em tempo de guerra", intitulado "The Fight of Our Lives - My time with Zelensky, Ukraine's battle for democracy, and what it means for the world" ("A Luta das Nossas Vidas -- O tempo que passei com Zelensky, a batalha da Ucrânia pela democracia e o que ela significa para o mundo", em tradução livre), publicado pela One Signal, chancela da Simon & Schuster, e ainda sem edição em Portugal.
"Sim, acredito que vamos ganhar esta guerra - tenho de acreditar que ganharemos esta guerra, porque acredito no meu país e sempre acreditarei no meu país. Simplesmente, não temos alternativa, esta é a batalha pela nossa mera existência. Temos de a travar, combater esta cruel invasão. O mundo não pode ser assim tão injusto -- a justiça e a liberdade devem triunfar e temos de acreditar nisso", sustentou.
Sobre a contraofensiva das forças ucranianas em curso e que já reconquistou ao exército russo vastas parcelas de território, a ex-assessora de Zelensky foi categórica: "Todos os ucranianos acreditam que esta contraofensiva pode produzir resultados; nós realmente confiamos no nosso exército e nos nossos voluntários e acreditamos que podem trazer paz à Ucrânia e começar a recuperar os nossos territórios e a trazer a nossa população de volta".
"Há 1,2 milhões de ucranianos que ainda estão sob ocupação [russa], o que é uma coisa terrível. Portanto, por um lado, estamos a celebrar a contraofensiva, mas, por outro lado, os nossos corações sangram quando vemos todas aquelas valas comuns e quando vemos os sinais de tortura e os cadáveres que os russos torturaram e mataram -- assassinaram -- crianças, famílias...", observou
"É uma experiência horrível e é muito assustador perceber, pelo que estamos a encontrar [nos territórios recuperados], o que estará a acontecer nos territórios que estão ainda sob ocupação russa", acrescentou.
Quanto ao anúncio por Putin de uma mobilização parcial de militares na reserva - cerca de 300.000, segundo o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu - Iuliia Mendel definiu-o como uma medida desesperada.
"O anúncio por Putin de uma mobilização parcial é, na verdade, um sinal de desespero, porque ele entendeu que alcançou tudo o que era possível com o número de tropas que andou a preparar durante cerca de dez meses e que isso não foi suficiente - e é claro que é assustador que ele vá mobilizar pessoas dos territórios ocupados e mandar ucranianos combater ucranianos. Veremos como correrá...", comentou.
Por outro lado, salientou, esse anúncio de mobilização dos reservistas desencadeou na Rússia o que a ex-porta-voz de Zelensky interpretou como "um sinal positivo".
"Um sinal positivo é vermos uma parte dos russos a revoltar-se e a manifestar-se nas ruas contra a mobilização. É claro que é um bocado cínico da parte deles concordarem matar ucranianos, mas não concordarem em ser enviados para a linha da frente e ser mortos, mas, pelo menos, já é um sinal de esperança que as decisões deste ditador que está no poder há 23 anos estejam a abrir fendas no seu regime, isso dá alguma forma de esperança", frisou.
"Quão mais sangrento for, quantas mais pessoas ele enviar para lá, mais sangrenta esta guerra será", o que desencadeará mais protestos da população russa, acrescentou, numa altura em que esta já incendiou vários postos de recrutamento com 'cocktails' molotov, após o anúncio de mobilização de parte dos reservistas, depois de as forças de segurança russas já terem procedido à detenção de mais de mil manifestantes em cerca de 40 cidades do país.
A propósito do discurso que Putin proferiu na quarta-feira fazendo uma ameaça pouco velada de utilização de armas nucleares e afirmando "Isto não é 'bluff'", a ex-assessora de Zelensky disse não saber "o que pensar sobre se Putin estará realmente a considerar iniciar uma Terceira Guerra Mundial".
"Acho que o mundo está a tentar fazer tudo para não repetir esse tipo de experiência do passado (utilização de armas nucleares), mas, de facto, já há alguns paralelos com a Segunda Guerra Mundial, como as práticas de genocídio e uma crise de fome artificialmente criada... Por isso é que a Ucrânia está a combater pelas nossas vidas e a pedir ao mundo para aumentar a sua ajuda, com referências à guerra, sanções, recursos, armamento, treino, ajuda humanitária e aos refugiados".
Iuliia Mendel termina o seu livro com "um agradecimento especial a todos quantos entendem que a Ucrânia não é um país do passado".
"Nós somos o futuro. Quebrámos as grilhetas do espaço pós-soviético e tornámo-nos um território de liberdade. E agora, todo o mundo sabe", escreveu.