O Conselho Superior da Magistratura (CSM) alerta que a proposta de alteração do regime jurídico para a prevenção da violência doméstica e proteção das vítimas levanta questões de constitucionalidade e desvirtua a especialização dos tribunais.
Num parecer sobre as alterações ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das vítimas, o CSM refere que as alterações propostas pelo Governo vão “gerar confusão de distribuição de competências”, pois em vez de diminuir a “repartição dos mecanismos de tutela jurisdicional da vítima por diversos órgãos jurisdicionais” faz intervir mais um tribunal, o que cria o risco acrescido de decisões contraditórias.
Algumas alterações "constituem um retrocesso (...) atribuindo competências em matéria de família e crianças e jovens a juízos que não estão vocacionados para decidir tais questões", pode ler-se no documento.
Sobre a proposta do Governo, que na quarta-feira vai ser discutido no plenário da Assembleia da República, o CSM considera ainda que vai colocar problemas de comunicação de decisões entre os juízos de instrução criminal e os de família e menores, levantando questões de operacionalidade das decisões sobre a regulação provisória das responsabilidades parentais, casa de morada de família e animais de companhia.
O parecer adianta que a proposta coloca também questões ao nível dos efeitos da decisão no atual enquadramento legal e dúvidas sobre a impugnação da decisão provisória, concretamente ao nível do regime e competência dos tribunais da Relação em caso de recurso e suscita dúvidas quanto à intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Na análise crítica à proposta, o CSM defende igualmente que o diploma vai criar um desnecessário acréscimo de serviço para os juízos de instrução criminal, podendo complicar um regime legal que é já bastante eficaz na proteção das vítimas de violência doméstica e que carece, sobretudo, de meios e recursos que garantam a sua efetividade.
Tendo em conta as recomendações do Grupo de Peritos sobre o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (GREVIO) do Conselho da Europa, o CSM conclui que deste relatório não resulta “a necessidade de alteração legislativa para introdução deste modelo processual de proteção agora designado por ‘partilha de tarefas’”.
O CSM alerta que é preciso olhar para a violência doméstica numa abordagem completamente diferente, disponibilizando a cada caso um acompanhamento multidisciplinar adaptado às circunstâncias concretas e que seja contínuo, ou seja, desde notícia do crime até ao julgamento ou mesmo após, pois de outra forma a atuação judicial será ineficaz.
“É um fenómeno que se combate, acima de tudo, pela prevenção, educação, acompanhamento terapêutico, apoio e recuperação do agressor menos pela repressão”, lê-se no documento.
Para o CSM, “a imposição judicial de medidas de coação e a ameaça da pena na condenação, ou mesmo o seu cumprimento efetivo, não são eficazes se tanto a vítima como o arguido não forem permanentemente acompanhados e beneficiarem de medidas de apoio psicológico, terapêutico, social e económico”.
Na prática constata-se que a manutenção dos laços e/ou dependência da vítima e arguido tornam “ineficazes as medidas de coação ou as injunções ou regras de condutas impostas na execução da pena”, com os tribunais a sentirem-se impotentes para alcançar as mudanças de comportamento que previnam a reincidência.
A proposta do Governo pretende atribuir competências cíveis aos tribunais criminais para o proferimento de decisões provisórias urgentes de proteção da vítima, tais como decretar providências civis de prevenção, decidir a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais, da utilização provisória da casa de morada de família e da guarda de animais de companhia.