O acórdão da Relação, proferido na quarta-feira, manteve, contudo, a decisão do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) de não pronunciar para julgamento o terceiro arguido do processo, o inspetor da Polícia Judiciária (PJ) Pedro Fonseca, na altura coordenador da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) e que esteve acusado de abuso de poder, violação de segredo de justiça e falsidade de testemunho.
Carlos Rodrigues Lima (atual jornalista da Visão e que estava na revista Sábado à data dos factos) responde por três crimes de violação do segredo de justiça e Henrique Machado (TVI/CNN) vai ser julgado por um crime do mesmo tipo.
Na decisão, assinada pelos desembargadores Rui Teixeira (relator) e Cristina Almeida e Sousa, é utilizada uma frase emblemática da saga cinematográfica do Homem-Aranha -- "com grande poder surgem grandes responsabilidades" -- para justificar a ida a julgamento dos jornalistas, considerando que estes deveriam feito uma "ponderação de valores" e deveriam "contemporizar" a divulgação de informações sobre os casos Lex, e-mails do Benfica e E-Toupeira.
"Quando o jornalista é convocado, dadas as suas funções, para funcionar como o quarto poder tem de ter a noção que com grande poder surgem grandes responsabilidades. No caso concreto, a divulgação da notícia, naquele momento, é ilícita e constitui crime tendo os agentes agido com culpa", lê-se no acórdão.
A fundamentar a decisão, os juízes também afirmam que "em sociedade em que se respeite o Estado de Direito a função da notícia não suplanta tudo" e citam uma frase do jornalismo norte-americano - "There is no such thing as a few hours in the news business" ['Algumas horas' é algo que não existe no negócio das notícias] -, reforçando: "Portugal não é os Estados Unidos da América e muito menos o Faroeste".
Negando estar em causa a liberdade de expressão, uma vez que o Estado "nunca escondeu a existência dos processos", os juízes criticam a "fome de protagonismo" dos jornalistas.
"É o ter o 'furo', é o fazer a festa antes do outro. É o dizer 'yuppi, olha para mim que estava lá quando prenderam o juiz', 'viva eu que sabia que estavam a revirar o Estádio da Luz', 'eu é que disse que as toupeiras foram detidas'. Tudo foi feito para o 'furo', mas tudo feito criando as condições para que a prova fosse inquinada, perdida ou destruída; tudo feito 'sem consideração'", acrescentam.
Por outro lado, o acórdão da Relação visa também o juiz de instrução Carlos Alexandre, quando este, na decisão que arquivou a acusação, em 18 de novembro de 2021, defendeu que as notícias em causa tinham inegável interesse público e que não existia uma "necessidade social imperiosa da punição".
"Não é ao senhor juiz que compete definir o que seja a 'necessidade social imperiosa da punição'. Tal necessidade é definida pelo legislador, em primeira linha quando redige a lei. A lei considera que o segredo de justiça é um bem jurídico a preservar. Não é um bem jurídico que interessa nuns casos e que noutro cede perante uma 'necessidade social imperiosa da punição'", refere o acórdão.
Argumentam ainda que, "assente que os processos em causa nestes autos estavam em segredo de justiça, mal se percebe a ausência de pronúncia, posto que se mostra fortemente indiciado que tal era o estado do processo, que os arguidos conheciam a existência do segredo e que mesmo assim quiseram violar o segredo".
Quanto ao inspetor da PJ Pedro Fonseca, os juízes defendem a falta de "suporte probatório" das acusações do Ministério Público, ao vincar que "a acusação é omissa e os recursos [para a Relação] não servem para colmatar lapsos de acusações", finalizando: "O arguido Pedro Fonseca deverá permanecer despronunciado".