Quantos Somos? O número revisto no último Censos diz-nos que numa década, mesmo com um saldo natural crescentemente negativo, o saldo migratório permitiu que até acabemos por ser só um bocadinho menos (2 por cento) e, no último ano até somos mais. E quem somos? Bom, aí a coisa muda de figura. Não sabemos ainda exatamente tudo o que mudou, mas há um dado indesmentível: somos um país dividido a meio, desertificado no interior e mais povoado no litoral e somos cada vez mais velhos.
Em 1960 existiam 27 idosos por cada 100 jovens, em 2011 já havia 125 idosos e o ano passado havia 165. Há uma década eram menos de 29 os idosos por cada 100 em idade ativa em 2020 eram mais de 34. Marcelo, esta semana, disse à TVI que se preocupava com o “desgaste da classe politica e defendeu a necessidade essencial da sua renovação” usou uma bela metáfora para descrever um país incapaz de se renovar por dentro e a que já não chega sequer a ajuda dos que chegam de fora e vão tendo filhos por cá.
Exatamente quando a Democracia ultrapassa em idade o país da ditadura, somos muito mais velhos, mais isolados num país que avança a duas velocidades, com um interior abandonado e triste e um litoral povoado e pobre, tacanho e centralizado em dois ou três pontos que giram em torno da capital e pouco mais. É um murro no estômago, mas de que ninguém fala, porque daqui a pouco chegam as autárquicas e é necessário aquele mínimo de ânimo para sair à rua e ir votar mesmo que seja “nos mesmos”, como lamenta o Presidente. Ir votar já é bom. Antes, nem isso.
Um país que se debate com um gravíssimo problema de habitação que trouxe de volta as barracas e lhes acrescentou roulotes e estufas. Onde a mão de obra continua a ser barata e pouco qualificada, cada vez mais longe das necessidades do novo mundo da digitalização. Pouco menos explorada, os operários portugueses continuam a partir em voos da Ryanair, para voltar em agosto, à espera da reforma obtida como a dos pais, outra vez, na mesma Suíça, cada vez mais rica, na mesma França, nos mesmos arredores de Londres (com o luxo de por lá já haver muitos médicos e enfermeiros que até o primeiro-ministro tratam…).
Em 81 havia 2,6 milhões de alojamentos. Hoje há praticamente seis milhões, mas estão, na mesma, no sítio errado. Há muita casa sem gente e muita gente sem casa. Só pode ser, porque a dimensão média por agregado era 2,6 e agora é 2,5 habitantes. O país dos filhos únicos e dos velhos isolados veio para ficar.
Tal como o país mais centralizado do que nunca. Gira agora em torno de cerca de um décimo dos municípios (apenas 31 dos 308 que vão a votos em outubro concentram cerca de 50 por cento da população total). O Alentejo, como um todo, perdeu 7 por cento da sua população. Enquanto o Algarve, à custa do turismo, apesar de tudo aumentou 3,5 %.
O centro da capital, Lisboa, perdeu 8 mil habitantes numa década tal como o Porto cidade 6 mil. A capital continua com mais de meio milhão, Sintra passou a 2ª cidade com 400 mil, Gaia a terceira com mais de 300 mil e o Porto já só tem 200 mil e poucos, ou seja, está na competição pelo quarto lugar com Loures ou Braga que já vai em 193 mil (e cresceu 6,5 por cento) muito devido à inovação, à ciência e à universidade que atrai jovens e estrangeiros qualificados. As duas áreas metropolitanas representam cada vez mais, embora a norte se tenham perdido 100 mil “votos”.
Desde 2009 que o saldo natural vai descendo, ainda que positivo.
Em 2021 a população acabou com menos 214 mil habitantes porque a diferença entre nascimentos e mortes acabou por não ser compensada pelo saldo migratório positivo (41 mil no último ano).
Quanto à riqueza (PIB per capita) em 2019 tínhamos poucos mais de 23 mil euros ano por habitante (menos 300 euros do que em 2018, mas menos 1600 euros do que tínhamos em 2008 quando o PIB já era já de 24,8 mil euros). Ou seja, levámos mais de uma década a andar às arrecuas.
O ano passado a COVID levou-nos para um nível de apenas 20,7 mil. É só fazer as contas para perceber quão pouco significa o anunciado “maior crescimento deste século de João Leão (os 9 por cento previstos em dois anos) e que depois de uma queda de 7,6 por cento o ano passado nos coloca uma décima acima, na melhor das hipóteses, do nível de riqueza pré-COVID.
Abençoados migrantes senão seria bem pior; vem ao encontro do pequeno Paquistão de Odemira que, com 29 mil habitantes, lidera o ranking do crescimento (mais 13 por cento numa década) onde a população cresceu 3 mil almas. Mafra, Palmela, Alcochete, e Vila do Bispo também cresceram, no mínimo, 9 por cento. Do Indostão do Martim Moniz, da Malásia e das Filipinas Algarvias e do pequeno núcleo escolarizado sefardita do Porto, as comunidades estrangeiras foram fulcrais para justificar menores decréscimos ou inesperados crescimentos.
As nossas adolescentes são como as da canção Dona Laura, como as mães, “um olho na novela e outro na panela”, mas já não terão um rancho de filhos como as avós, terão “o casalinho”, e a maioria terão apenas um ou nenhum ( o índice de fertilidade praticamente não mexe!). Trabalham o mesmo “dentro” e mais oito horas fora. Excluindo transportes. A libertação torna-as escravas de um modelo de perfeição inatingível. Muitas são obesas. Todas gostavam de ser anoréticas. Sem mais partilha de tarefas domésticas resistem a passar de um para o mínimo de dois filhos que estaria perto de assegurar a renovação das gerações.
Mas disso, e muito mais, ainda não sabemos quase nada. O que sabemos é que se não fossem os migrantes e seus filhos estávamos ainda mais velhos. Só desde 2020 e nos primeiros meses deste ano pediram a cidadania portuguesa 205 mil migrantes. De acordo com os dados fornecidos pelo SEF, ao DN de quarta feira, do total de mais de 622 mil no país, um terço era brasileiro e outro terço Israelita, só entre os 63 mil que entraram nos últimos ano e meio e pediram cidadania nacional. Face a 2019 o número de novos pedidos subiu 23 por cento. Portugal é um bom país para se viver. Seguro e próspero, onde falta mão de obra nacional, mas não falta trabalho.
Além disso o povo é amável, o clima ameno e come-se bem. Economiza-se o suficiente para mandar para a família e o trabalho, bem vistas as coisas, é tão ou menos duro do que nos países de origem. Só não pensa assim quem não vem de Angola, Cabo Verde, São Tomé … quem não nasceu, malaio, filipino, sudanês, marroquino, argelino, líbio, sírio ou congéneres. Quem não foge da loucura brasileira ou da insegurança venezuelana, sul-africana, israelita. Não somos sobranceiros com etnias e cores várias e gostamos de acolher, de norte a sul, quem vem de vez ou está de passagem (ainda!). Não precisam ser turistas. Ucranianos, búlgaros ou checos só acham que somos pouco cultos e aplicados na escola, mas, no mais, toleram-nos alegremente. Tomara que continuemos a acolhê-los como até aqui. Mas é preciso pensarmos nisso e em muito mais. Às vezes é preciso discutir o que é mesmo importante.