No meio de uma pandemia como nunca vivemos nem desejamos voltar a viver, aí está o regresso da eutanásia aos trabalhos parlamentares.
O país tem outras prioridades. Mas há agendas que falam mais alto. Têm uma obediência diferente e submetem-lhe o calendário do país.
Não importa se a prioridade é combater a pandemia, evitar a pobreza, amparar a economia e, sobretudo, proteger a saúde dos grupos vulneráveis – com os mais velhos à cabeça. Será tudo muito respeitável, mas a eutanásia, pelos vistos, não pode esperar.
Os portugueses sentem a vida (a sua e a dos outros) virada do avesso. Sobram incertezas e há défice de esperança. Mas a grande bandeira de alguns parlamentares dá pelo nome de eutanásia.
Num clima depressivo seria necessário unir o país. Mas o remédio de alguns deputados é impor a eutanásia, uma lei que divide.
Não gosto de imagens catastrofistas, mas a analogia com o Titanic é óbvia. O barco corre o risco de afundar, mas a orquestra, indiferente, continua a tocar.
Os músicos do Titanic tinham uma atenuante: tocavam para suavizar a amargura. Os deputados em luta pela eutanásia têm uma agravante: aprovam uma lei que vai amargurar os que mais precisavam de ser suavizados.
Quem neste momento já se sente particularmente vulnerável, ou mesmo descartável, é convidado, por esta lei, a repensar a sua vida. Pior: a equacionar a sua morte.
O contexto que vivemos é especialmente adverso para os mais velhos e para os mais débeis. Não há circunstancia pior do que esta, para acenar aos mais aflitos com a possibilidade de morrerem - de vez e mais depressa - com o contributo legislativo que nos chega de São Bento.
Só o zelo cego por uma agenda ideológica que não conhece barreiras nem respeita pessoas e contextos pode levar à aprovação da eutanásia pelo parlamento.
O que se tem passado em muitos lares portugueses durante esta pandemia envergonha-nos como sociedade. Perderam-se centenas, se não milhares de vidas. O medo tomou conta de muitos idosos e das suas famílias.
A falta de condições tornou-se evidente. As condições desumanas em que viviam pessoas mais velhas nalguns desses supostos ‘lares’ tornaram-se feridas expostas de uma sociedade que não valoriza a idade, a identidade e a memória.
Como explicar a indiferença dos deputados que não interrompem, no contexto precário da pandemia, este processo legislativo? O que pretendem com a lei da eutanásia, aprovada num ambiente tão incerto e emocional como aquele que se vive em todo o mundo?
No mínimo, deixem que o povo se pronuncie em referendo.
No caso da eutanásia, não estão em causa matérias técnicas, de grande erudição, demasiadamente complexas para serem sujeitas a referendo.
No caso da eutanásia está em causa saber se deve haver uma lei que facilite a morte, administrada, aliás, por profissionais, a quem, por definição, nos habituámos a confiar a vida.
Se a Assembleia da República entende que o mês de Outubro de 2020 é a altura certa para dotar Portugal de uma lei da eutanásia, então não tratem o povo como uma massa ignorante e permitam que os eleitores se pronunciem.
A auscultação da vontade dos eleitores não é um pormenor da democracia, mas aquilo que verdadeiramente a sustenta.
Já basta que nas eleições legislativas de 2019, a generalidade dos partidos tenha deixado a eutanásia fechada a sete chaves na gaveta dos programas com que se apresentaram a juízo.
Esconderam o tema da eutanásia. Agora não se escondam do povo.