O Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes de 2016, atribuído pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura com o patrocínio da Renascença, foi atribuído ao médico e especialista em bioética Walter Osswald, destacando o percurso e uma obra que reflectem o humanismo e a experiência cristã.
A entrega do prémio decorrerá a 4 de Junho, em Fátima, no âmbito da 12.ª Jornada Nacional da Pastoral da Cultura.
Como recebe esta distinção?
Não estava nada a espera. É uma coisa extraordinária, fiquei sem voz, sem fala, quando me foi comunicado oficialmente. Depois, é claro, adaptei-me e fiquei grato e contente – não por achar que tinha qualquer mérito que merecesse esta distinção, mas por talvez poder contribuir através desta distinção e deste ruído que sempre se faz à volta de um prémio para a defesa daquilo a que tenho dedicado a minha vida: um humanismo de inspiração cristã de responsabilidade e de entreajuda.
Esse humanismo e essa dimensão cristã são convergentes ou é possível vivê-los em planos distintos?
No meu entendimento não. Somos sempre uma unidade holística, como às vezes se diz, quer estejamos numa actividade profissional, quer no lazer, quer nos contactos sociais. A velha querela entre fé e ciência está completamente ultrapassada. São duas realidades absolutamente importantes e fundamentais e em grande medida podem ser convergentes. Nunca senti qualquer oposição entre a investigação que durante tantos anos fiz e aquilo que me animava e anima na vida como principio e fonte de animação e de vida.
Na última semana o Parlamento aprovou o diploma da gestação de substituição, as chamadas barrigas de aluguer. É um assunto arrumado ou ainda há margem para debatê-lo?
Acho que não está ultrapassada a questão. De maneira nenhuma. Democraticamente existe uma aprovação, mas a questão não desapareceu porque as questões morais não desaparecem por serem legisladas.
Tem, então, esperança de que esta lei possa ainda ser alvo de alterações no futuro?
Eu tenho de ter esperança é que seja possível, de uma maneira maioritária, o povo português rejeitar uma lei que não desejou e que foi imposta por uma maioria. Embora se possa e deva aceitar as maiorias no Parlamento, isso não quer dizer que se tenha uma lei boa. Pelo contrário: parece que é uma lei mal escrita, que na prática não é exequível como está escrita.
A própria ideia de um contrato não oneroso é negada pela realidade. Todos sabemos que nos EUA, em alguns Estados que têm esta lei também, a maior parte das gestações são negócios económicos, é praticamente impossível evitá-lo. Como é que se vai evitar que haja pagamento se esse pagamento for sigiloso? Como é que se pode evitar que a lei só seja aplicada a mulheres sem útero ou incapazes de conceber por factores uterinos quando na realidade a própria lei diz que se não for esse o caso pode haver apenas uma penalização de 120 dias de multa? Naturalmente qualquer pessoa pode recorrer a esta técnica, ao contrário do que a própria lei afirma.
Mas estando a questão legitimada pela maioria parlamentar, como espera que o diploma seja revertido?
Eu não sou jurista, não sou constitucionalista, não tenho qualquer espécie de autoridade ou de conhecimento específico que me permita responder a essa pergunta. O que é importante não é tanto anular esta lei, mas sim difundir, fazer com que as pessoas compreendam que isto não é positivo, que isto não se traduz em nenhuma conquista civilizacional, que, pelo contrário, isto representa um retrocesso e uma redução do filho a um objecto de posse da mãe ou dos pais – como se, na realidade, o único objectivo dos filhos não fossem viver eles próprios, não serem pessoas independentes, mas sim satisfazerem os pais. Acho isto do ponto de vista ético e filosófico totalmente errado.
Faz também uma leitura bastante crítica em relação à eutanásia.
Estou absolutamente convencido que a imensa maioria da população não quer a eutanásia. O Parlamento tem legalidade e autoridade para legislar, é óbvio, mas não se pode querer fazer coisas que sejam contra a opinião generalizada. Ninguém quer que o pai, a mãe ou o irmão um dia venha a ser morto porque pediu ou porque se entendeu que pediria se pudesse, como acontece na Holanda (onde se fala da eutanásia já como tratamento médico, o que é uma perversão porque não se pode tratar pessoas matando-as).
As características de sociedades como a holandesa e a belga, talvez mais individualistas, favorecem este tipo de legislação?
É possível. Obviamente existe uma diferença muito importante, que é a solidariedade familiar que existe nos países do sul e que nesses países já praticamente se tornou rara.
Isso constitui para si um sinal de esperança de que a eutanásia possa não ser aprovada em Portugal?
Claro, porque a solidariedade nas famílias é fortíssima. O que é mais importante é que estas leis são feitas de uma forma muito restritiva, com garantias de que não haverá abusos. Na Holanda, na realidade, foi alargando e perdendo todas estas características e o que hoje acontece é que hoje temos de três a cinco mil mortes, ninguém sabe ao certo, por eutanásia na Holanda. Essas mortes já são de pessoas que não formularam um pedido consciente; são muitas vezes já de crianças, que não têm naturalmente condições para pedir conscientemente uma medida destas com anuência dos pais; são pessoas deficientes; são pessoas dementes; e muitas vezes até são pessoas que dizem que já viveram o suficiente, que estão já fartas de viver, que já não lhes interessa e que querem sair de cena.
Isto corresponde a uma inversão em relação às condições inicialmente definidas na lei. É o que chamamos de “rampa deslizante” ou “plano inclinado”, em que se começa com uma lei muito restritiva, muito limitativa, que depois vai-se alargando, alargando e depois no fim já é a excepção que se tornou a regra.